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19 de Abril de 2024
  • 2º Grau
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Detalhes

Processo

Órgão Julgador

Câmara de Recursos Delegados

Julgamento

Relator

3º Vice-Presidente

Documentos anexos

Inteiro TeorTJ-SC_AGT_00063724320118240031_9c78c.pdf
Inteiro TeorTJ-SC_AGT_00063724320118240031_88bd4.rtf
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Inteiro Teor





Agravo Interno n. XXXXX-43.2011.8.24.0031/50003, de Indaial

Relator: 3º Vice-Presidente

AGRAVO INTERNO EM RECURSO ESPECIAL. DECISÃO DA 3ª VICE-PRESIDÊNCIA QUE NEGA SEGUIMENTO A RECURSO ESPECIAL EM RAZÃO DA CONFORMIDADE DO ACÓRDÃO RECORRIDO COM A DECISÃO TOMADA PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA EM RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA REPETITIVA ( RESP N. 1.552.434/GO TEMA 968). REVISÃO DE CONTRATO BANCÁRIO. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. ACÓRDÃO RECORRIDO QUE MANTEVE A SENTENÇA, A QUAL, NO TOCANTE À REPETIÇÃO DE INDÉBITO, DETERMINOU QUE A DEVOLUÇÃO OBSERVE OS MESMOS ENCARGOS DO CONTRATO. DESCABIMENTO. EQUÍVOCO NO ENQUADRAMENTO DO PARADIGMA. AGRAVO INTERNO PROVIDO PARA ANULAR A DECISÃO QUE NEGOU SEGUIMENTO AO RECURSO ESPECIAL. RETORNO DOS AUTOS À 3ª VICE-PRESIDÊNCIA PARA, NO PONTO, EXERCER NOVO JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE.

Constatado o equívoco no enquadramento do recurso especial ao paradigma firmado em recurso repetitivo pelo Superior Tribunal de Justiça, anula-se a decisão que lhe negou seguimento e se determina novo juízo de admissibilidade no tocante à matéria discutida.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo Interno n. XXXXX-43.2011.8.24.0031/50003, da comarca de Indaial 1ª Vara Cível em que é Agravante Itaú Unibanco S/A e Agravados Bell Residencia Incorporadora Ltda e outros.

A Câmara de Recursos Delegados decidiu, por votação unânime, dar provimento ao agravo interno. Custas na forma da lei.

O julgamento, realizado no dia 02 de agosto de 2019, foi presidido pelo Exmo. Sr. Des. Moacyr de Moraes Lima Filho, com voto, e dele participou o Exmo. Sr. Des. Carlos Adilson Silva.

Florianópolis, 06 de agosto de 2019.

Desembargador Altamiro de Oliveira

Relator


RELATÓRIO

Itaú Unibanco S/A, com fundamento nos arts. 1.021 e 1.030, § 2º, do Código de Processo Civil, interpôs o presente agravo interno contra a decisão proferida pela 3ª Vice-Presidência desta Corte de Justiça que, amparada em precedente do Superior Tribunal de Justiça ( Resp n. 1.388.972/SC, Rel. Ministro Marco Buzzi, julgado em 08/02/2017 - Tema 953; e Resp n. 1.552.434/GO, Rel. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 13/06/2018 - Tema 968), aplicou a norma do art. 1.030, inciso I, b, do mesmo Código e, por conseguinte, negou seguimento ao recurso especial, por considerar que o entendimento adotado no acórdão recorrido coincide com a orientação da Corte Superior e, no mais, não o admitiu (fls. 653/655).

Em suas razões, o agravante sustenta que houve equívoco na aplicação do paradigma ao caso concreto, aduzindo que "a insurgência recursal" [...] "dá-se em virtude de o acórdão recorrido acompanhar/manter os termos da sentença no que tange aos critérios de repetição do indébito", pois "o magistrado singular determinou [...] a restituição na forma simples, observando os mesmos encargos praticados pela instituição financeira"; no entanto, esclarece que "o Tema 968 estipulou o DESCABIMENTO da repetição do indébito com os mesmos encargos cobrados, de modo que o v. Acórdão objurgado divergiu de tal entendimento", razão pela qual "a decisão ora agravada, se mantida, não estará em sintonia com a recente reflexão sobre o tema".

Com base em tais argumentos, requer o provimento do presente agravo interno, para viabilizar o processamento do recurso especial interposto (fls. 669/676).

Conquanto regularmente intimada (fl. 683), a parte agravada deixou de apresentar contrarrazões (fl. 686).

Em sede de juízo de retratação (art. 1.021, § 2º, do CPC) foi mantida a decisão agravada e determinou-se a remessa dos autos à Secretaria de Câmara de Recursos Delegados, para oportuna inclusão em pauta, nos termos do art. 77 do Regimento Interno deste Tribunal de Justiça.

Ato contínuo, os autos vieram conclusos.

VOTO

1. Imperativo anotar, ab initio, que o art. 1.030, inciso I, alíneas a e b, do Código de Processo Civil, determina o seguinte:

Art. 1.030. Recebida a petição do recurso pela secretaria do tribunal, o recorrido será intimado para apresentar contrarrazões no prazo de 15 (quinze) dias, findo o qual os autos serão conclusos ao presidente ou ao vice-presidente do tribunal recorrido, que deverá:

I - negar seguimento:

a) a recurso extraordinário que discuta questão constitucional à qual o Supremo Tribunal Federal não tenha reconhecido a existência de repercussão geral ou a recurso extraordinário interposto contra acórdão que esteja em conformidade com entendimento do Supremo Tribunal Federal exarado no regime de repercussão geral;

b) a recurso extraordinário ou a recurso especial interposto contra acórdão que esteja em conformidade com entendimento do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça, respectivamente, exarado no regime de julgamento de recursos repetitivos. (grifou-se)

O § 2º do art. 1.030 do novel diploma processual, por sua vez, estabelece que "da decisão proferida com fundamento nos incisos I e III caberá agravo interno, nos termos do art. 1.021" e, não havendo retratação, como ocorre neste caso, o agravo será levado "a julgamento pelo órgão colegiado, com inclusão em pauta" (art. 1.021, § 2º, do CPC).

2. No mérito, o recurso merece provimento.

O Resp n. 1.552.434/GO, julgado em 21/06/2018 (Temas 968), oriundo do Superior Tribunal de Justiça, aplicado ao caso pela 3ª Vice-Presidência deste Tribunal, está assim ementado:

RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. TEMA XXXXX/STJ. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. CPC/1973. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. MÚTUO FENERATÍCIO. CRÉDITO RURAL. ATUALIZAÇÃO PELOS ÍNDICES DA POUPANÇA. IPC/BTNF DE MARÇO DE 1990. PLANO COLLOR I. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. JUROS REMUNERATÓRIOS..I - DELIMITAÇÃO DA CONTROVÉRSIA:

1.1. Limitação da controvérsia à repetição de indébito em contrato de mútuo feneratício celebrado com instituição financeira.

2 - TESE PARA OS FINS DO ART. 1.040 DO CPC/2015:2.1. Tese aplicável a todo contrato de mútuo feneratício celebrado com instituição financeira mutuante: "Descabimento da repetição do indébito com os mesmos encargos do contrato";

3 - CASO CONCRETO: 3.1. Existência de afetação ao rito dos repetitivos da controvérsia sobre "Ilegalidade da aplicação do IPC de março e 1990 (índice de 84,32%) na correção do saldo devedor" (Tema XXXXX/STJ), tornando-se inviável o julgamento do caso concreto por esta SEÇÃO. 3.2. Devolução dos autos ao órgão fracionário para julgamento do caso concreto, no momento oportuno. 4 - RECURSO ESPECIAL DEVOLVIDO À TURMA PARA JULGAMENTO DO CASO CONCRETO (STJ, Resp n. 1.552.434/GO, j, Rel. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 21/06/2018 (Temas 968 - grifou-se).

Dos fundamentos do voto paradigma, extrai-se:

[...]

O fato que ensejou a afetação do presente Tema XXXXX/STJ é a multiplicidade de recursos que ascendem a esta Corte Superior para se discutir os parâmetros da repetição de indébito decorrente de contrato de mútuo feneratício (empréstimo de dinheiro a juro), predominantemente os celebrados com instituições financeiras.

Durante a execução do contrato de mútuo feneratício, várias causas podem dar origem a um indébito sujeito à repetição (débito sem amparo legal ou contratual), como ato ilícito, nulidade, abusividade, das quais resultam danos e enriquecimento de uma das partes.

Apesar dessa multiplicidade de causas, e das diversas modalidades de contratação, a jurisprudência desta Corte Superior apresenta, atualmente, apenas dois entendimentos, um admitindo a incidência de juros remuneratórios (à taxa legal) na repetição de indébito, e outro não admitindo.

Após a instrução deste recurso e a análise das diversas questões que o tema suscita, cheguei à conclusão de que esses dois entendimentos jurisprudenciais não se mostraram suficientes para exaurir o problema e permitir a fixação de uma única tese.

Optou-se, então, por fixar tese menos abrangente, de modo a permitir a evolução da jurisprudência para além dos entendimentos hoje predominantes.

Com base nessas considerações iniciais, propõe-se a delimitação da controvérsia tão somente à possibilidade de incidência de juros remuneratórios às mesmas taxas do contrato, na hipótese de repetição de indébito decorrente de contrato de mútuo feneratício celebrado com instituição financeira.

Feita essa delimitação, passa-se a analisar o histórico da jurisprudência.

Nesse passo, identifica-se, essencialmente, quatro entendimentos acerca do tema em análise, os quais serão abaixo descritos, em ordem não cronológica.

Um primeiro entendimento consiste em negar a incidência de juros remuneratórios, admitindo-se tão somente juros de mora e correção monetária.

Nesse sentido, mencionem-se os seguintes julgados:

AÇÃO RESCISÓRIA. CONTRATO BANCÁRIO. FINANCIAMENTO AGRÍCOLA. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. CORREÇÃO. PLANO COLLOR. PRELIMINARES DE COMPETÊNCIA DO STJ E CABIMENTO DA RESCISÓRIA AFASTADAS. REPETIÇÃO DO INDÉBITO. PEDIDO DE UTILIZAÇÃO DOS MESMOS CRITÉRIOS DE CÁLCULO ESTABELECIDOS NO CONTRATO. IMPOSSIBILIDADE. PRERROGATIVA EXCLUSIVA DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. INCIDÊNCIA DE JUROS REMUNERATÓRIOS. DESCABIMENTO. TERMO INICIAL. JUROS MORATÓRIOS E CORREÇÃO MONETÁRIA.

1. Pedido de rescisão de decisão desta Corte que, mantendo acórdão do Tribunal de Justiça de Goiás, julgou procedente pedido de repetição do indébito referente a valores pagos a maior no curso de contrato de financiamento agrícola, em face da aplicação indevida dos índices de correção monetária nos meses de março e abril de 1990 (Plano Collor).

2. O Superior Tribunal de Justiça é competente para apreciar a ação rescisória quando o órgão julgador adentra no mérito da questão federal controvertida no recurso especial.

3. Na repetição do indébito, não se admite a incidência das mesmas taxas cobradas pelas instituições financeiras, cujas prerrogativas decorrem de sua inserção no sistema financeiro nacional, com regramentos específicos para cada operação financeira.

4. O Superior Tribunal de Justiça tem entendimento no sentido de não ser cabível a incidência de juros remuneratórios à taxa contratada na repetição do indébito, cabendo tão somente juros de mora à taxa legal.

5. Os juros moratórios incidem desde a citação em casos de responsabilidade contratual.

6. No tocante ao termo inicial, é devida correção monetária desde o desembolso.

7. AÇÃO RESCISÓRIA JULGADA PARCIALMENTE PROCEDENTE. ( AR XXXXX/GO, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 09/03/2016, DJe 14/04/2016, sem grifos no original)

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. CÉDULA DE CRÉDITO RURAL. REPETIÇÃO DO INDÉBITO. INCIDÊNCIA DE JUROS REMUNERATÓRIOS. DESCABIMENTO. JUROS MORATÓRIOS. TERMO INICIAL. CITAÇÃO. DECISÃO AGRAVADA MANTIDA. IMPROVIMENTO.

1.- A jurisprudência desta Corte é pacífica no sentido de que é inviável a pretensão de restituição de valores indevidamente descontados de conta-corrente na mesma base de cálculo dos encargos cobrados pela instituição financeira em empréstimos a clientes ( Resp XXXXX/MG, Rel. Min. CARLOS FERNANDO MATHIAS (JUIZ FEDERAL CONVOCADO DO TRF 1ª REGIÃO), QUARTA TURMA, DJe 09/03/2009).

2.- Além disso, esta Corte tem entendimento no sentido de não ser cabível a incidência de juros remuneratórios à taxa contratada na repetição do indébito, cabendo tão somente juros de mora à taxa legal. Precedentes.

3.- Os juros moratórios incidem, desde a citação, em casos de responsabilidade contratual, hipótese observada no caso em tela.

4.- O Agravo não trouxe nenhum argumento novo capaz de modificar o decidido, que se mantém por seus próprios fundamentos.

5.- Agravo Regimental improvido. ( AgRg no Resp XXXXX/SP, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 22/05/2014, DJe 05/06/2014, sem grifos no original)

A questão que emerge desse entendimento é a perda, pelo mutuário, dos frutos do indébito (juros remuneratórios), que não são restituídos pela instituição financeira.

Relembre-se que os juros de mora não se prestam a remunerar o capital, mas a indenizar as perdas decorrentes da mora (cf. art. 407 do CC/2002), incidindo, no caso, a partir da citação (ex vi do art. 219 do CPC/1973, atual art. 240 do CPC/2015).

Um segundo entendimento admite a incidência de juros remuneratórios à taxa legal de 1% ao mês (arts. 406 c/c art. 591 do CC/2002) desde a ocorrência do indébito, cumulados com juros de mora a partir da citação.

Nesse entendimento, confiram-se os seguintes julgados:

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL EM AÇÃO RESCISÓRIA. AÇÃO DE REPETIÇÃO DE QUANTIA INDEVIDAMENTE APROPRIADA. VIOLAÇÃO DE LITERAL DISPOSIÇÃO DE LEI. REDISCUSSÃO DA MATÉRIA VERTIDA NO ACÓRDÃO RESCINDENDO. POSSIBILIDADE. SÚMULA N. 343 DO STF. INAPLICABILIDADE.

1. No exame da ação rescisória fundada em violação de literal dispositivo de lei, é necessária a rediscussão da matéria vertida no acórdão rescindendo. Isso porque, para que o Tribunal reconheça que houve a alegada ofensa ao art. 485, V, do CPC e julgue procedente a rescisória, é imperioso discutir a infringência da letra daqueles dispositivos invocados pela parte. É por essa razão que os temas suscitados na ação rescisória confundem-se com aqueles discutidos no acórdão rescindendo.

2. Nesse contexto, o recurso especial interposto em sede de rescisória fundada no inciso V do art. 485 do CPC pode impugnar os fundamentos do acórdão rescindendo, de modo a demonstrar a violação legal que justificou o ajuizamento da ação rescisória (EREsp n. 1.421.628/MG).

3. A Súmula n. 343 do STF deve ser afastada quando não mais sobejar, no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, controvérsia sobre a questão federal suscitada.

4. Prestigiar a coisa julgada nos casos em que a decisão tenha atribuído sentido à norma jurídica diverso daquele estabelecido pelo STJ contraria toda a lógica do sistema estabelecida para a construção dinâmica da jurisprudência e a função uniformizadora atribuída pela Constituição Federal ao STJ, além de comprometer severamente o princípio constitucional da isonomia e o próprio princípio federativo.

5. Caracteriza violação de literal dispositivo de lei (art. 485, V, do CPC), dando ensejo à ação rescisória, decisão que contrarie o sentido atribuído pelo Superior Tribunal de Justiça à legislação infraconstitucional.

6. À repetição de valores descontados indevidamente do correntista não se aplicam as mesmas taxas de juros praticadas pelas instituições financeiras, que operam segundo regras específicas. São devidos, porém, juros remuneratórios de 1% ao mês.

7. Recurso especial conhecido e provido. ( Resp XXXXX/MG, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, TERCEIRA TURMA, julgado em 27/10/2015, DJe 03/11/2015)

CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. VALORES DESVIADOS PELA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA DA CONTA CORRENTE DO DEPOSITANTE. Os danos a serem indenizados pela instituição financeira são aqueles decorrentes da transferência não justificada de fundos do correntista (a respectiva quantia nominal e os juros remuneratórios de um por cento ao mês) e as despesas (juros e tarifas) que em função do correspondente saldo negativo o depositante teve de suportar, mais (+) a correção monetária e os juros de mora de 0,5% (meio por cento) ao mês na vigência do Código Civil anterior e os juros moratórios a partir da vigência do atual Código Civil na forma do respectivo art. 406. Recurso especial conhecido e parcialmente provido. ( Resp XXXXX/MG, Rel. Ministro ARI PARGENDLER, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 28/03/2007, DJ 16/08/2007)

Com esse entendimento, o mutuário é ressarcido também dos frutos do indébito.

Esse entendimento, porém, suscita duas questões jurídicas.

A primeira diz respeito à conhecida polêmica acerca de qual seria a taxa "em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional"(art. 406), se seria a taxa de 1% ao mês, prevista no art. 161, § 1º, do Código Tributário Nacional - CTN, ou a taxa SELIC (Sistema Especial de Liquidação e Custódia), prevista como taxa aplicável na repetição de indébito de tributos federais por força do art. 13 da Lei 9.065/1995, art. 39, § 4º, da Lei 9.250/1995, e art. 30 da Lei 10.522/2002 (cf. EREsp XXXXX/SP, DJ 08/09/2008).

Essa polêmica torna-se relevante, do ponto de vista de uma análise econômica do direito, num cenário de SELIC baixa, como atualmente, em que a essa taxa está em 6,5% ao ano, de modo que a opção por essa taxa ou pela do CTN (12% ao ano) gera uma diferença significativa (cerca de 85%) em termos de encargos.

A segunda questão jurídica que esse entendimento jurisprudencial suscita diz respeito ao enriquecimento da instituição financeira, pois os juros por ela praticados, geralmente, superam, em muito, a taxa legal.

O terceiro entendimento encontrado na jurisprudência desta Corte consiste em condenar a instituição financeira a restituir o indébito às mesmas taxas por ela praticadas.

Esse entendimento foi adotado no seguinte aresto:

Processual civil e Comercial. Recurso Especial. Contrato de abertura de crédito em conta-corrente (cheque especial). Cobrança de valores indevidos pela instituição financeira. Restituição ao correntista. Remuneração do indébito. Taxa idêntica à exigida pela instituição financeira em situações regulares. Possibilidade.

- É direito do titular de contrato de abertura de crédito em conta-corrente (cheque especial) obter a restituição de valores indevidamente cobrados pela instituição financeira.

- O montante do indébito a ser restituído deverá ser composto não apenas pelo valor cobrado indevidamente (principal), mas também por encargos que venham a remunerar o indébito à mesma taxa praticada pela instituição financeira no empréstimo pactuado (acessório).

- Se, em contrato de cheque especial pactuado à taxa de 11% ao mês, a instituição financeira cobrou valor de seu correntista indevidamente, deverá restituí-lo acrescido da mesma taxa, isto é, 11% ao mês.

- A solução adotada não fere a Lei de Usura, porquanto o correntista não concedeu crédito à instituição financeira, mas apenas busca restituir o que lhe foi cobrado indevidamente.

- A remuneração do indébito à mesma taxa praticada para o cheque especial se justifica, por sua vez, como a única forma de se impedir o enriquecimento sem causa pela instituição financeira.

- Recurso especial não conhecido. ( Resp XXXXX/MG, Rel. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, Rel. p/ Acórdão Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 02/09/2003, DJ 19/12/2003).

Nas razões de decidir desse julgado, a relatora para acórdão, Min.ª NANCY ANDRIGHI, citando Pontes de Miranda, entendeu que o ordenamento jurídico não poderia chancelar o enriquecimento do banco à custa do mutuário.

Para eliminar esse enriquecimento, S. Exa. propôs que o indébito fosse remunerado pela mesma taxa de juros pactuada no contrato.

Sobre esse ponto, merece transcrição o seguinte trecho do voto, litteris:

O montante do indébito a ser restituído deverá ser composto não apenas pelo valor cobrado indevidamente (principal), mas também por encargos que venham a remunerar o indébito à mesma taxa praticada pela instituição financeira no empréstimo pactuado (acessório).

Assim, o autor não tem direito somente à devolução do que pagou indevidamente ao réu, mas, também, dos rendimentos advindos a este com a livre disposição do patrimônio usurpado. Ensina Pontes de Miranda, que "o que se presta, em caso de repetição por enriquecimento injustificado, não é o valor do bem ao tempo em que se deu o enriquecimento, é o valor tal qual enriquece o demandado no momento em que se exerce a pretensão. Se o bem, ficando com o demandante, valeria a, mas com o demandado passou a valer a + x, é a + x que se há de prestar, (...)" ("Tratado de Direito Privado", Parte Especial, Tomo XXVI, 3ª ed., 1971, p. 167).

Além disso, dar a alguém a oportunidade de obter lucro, como é o caso, por meio da prática de ilícito, afronta à própria noção de eqüidade, pelo que deve ser afastada, ao máximo, qualquer solução jurídica que venha a acolher o enriquecimento ilícito. Deve-se, ao contrário, obrigar a instituição financeira a devolver não só as quantias que indevidamente reteve do correntista, mas também a efetiva remuneração que auferiu com tal procedimento.

Para isso, é razoável presumir que o banco obteve rendimentos, no mínimo, iguais às taxas e juros que pactuou com a correntista, ora recorrida, pois o destino usual da remuneração obtida pela instituição financeira é a concessão de novos créditos a clientes, mediante contratos que prevêem encargos semelhantes.

Se, em contrato de cheque especial pactuado à taxa de 11% ao mês, a instituição financeira cobrou valor de seu correntista indevidamente, deverá restituí-lo acrescido da mesma taxa, isto é, 11% ao mês. (sem grifos no original)

Essa repetição do indébito à taxa contratada, porém, acaba sendo excessiva, pois o banco fica obrigado a restituir mais do que auferiu, uma vez que os juros não se revertem integralmente em lucro para uma instituição financeira.

Deveras, parte dos juros é destinada a cobrir os seus custos operacionais e os riscos da operação de crédito.

Sobre esse ponto, confira-se o voto do Min. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA no julgamento do Resp XXXXX/MG, verbis:

[...] as taxas cobradas em função da utilização do crédito ('cheque especial') não correspondem aos lucros da instituição financeira. Não se pode confundir faturamento com lucro líquido. Como todo negócio empresarial, as instituições financeiras têm despesas operacionais (aluguéis, salários, equipamentos, propaganda, impostos, etc), mais os riscos próprios do negócio ('inadimplência dos mutuários'). Só depois de deduzidos esses custos, pode-se falar em lucro propriamente tal.

Um quarto e último entendimento jurisprudencial aponta a taxa SELIC como parâmetro adequado para se eliminar o enriquecimento ilícito da instituição financeira.

Nesse entendimento, confira-se a ementa do seguinte julgado:

BANCO. Lançamentos indevidos. Restituição. Correção. Os valores indevidamente lançados a débito na conta do cliente devem ser restituídos pelo valor atualizado de acordo com a Taxa Selic. Recurso conhecido e provido em parte. ( Resp XXXXX/MG, Rel. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, QUARTA TURMA, DJ 05/08/2002)

Do voto do relator, merece referência a seguinte passagem:

Não me parece que se deva deferir ao autor as mesmas taxas cobradas pela instituição bancária, tal o absurdo que isso representa, conforme diariamente constatamos nos processos, inclusive neste, e acima se viu, mas também tenho por contrário ao princípio geral de eqüidade, de tratamento igualitário das partes nas suas relações contratuais - princípios gerais que devem presidir o julgamento do caso - que se admita pudesse o Banco cobrar pelo mesmo débito de R$ 15.182,00 a quantia atualizada de R$ 275.000,00, se fosse negócio seu, e se defira ao correntista, a partir do mesmo valor, apenas o acréscimo de R$ 1.352,00. Para isso, acredito que o melhor critério seria usar a Taxa Selic para calcular a atualização do débito, o que não corresponde às taxas praticadas pelo Banco no mercado, mas serve para remunerar adequadamente o lesado.

Na época desse julgado, a SELIC estava no percentual de 18% ao ano.

O entendimento firmado nesse julgado também não resolve o problema do enriquecimento da instituição financeira, pois não é possível afirmar que o lucro do banco corresponda à taxa SELIC, qualquer que tenha sido a taxa de juros pactuada no contrato.

Feito esse breve relato dos principais entendimentos identificados na jurisprudência desta Corte, observa-se que os dois últimos (aplicação das taxas contratas ou da taxa SELIC) não encontram ressonância atualmente nos órgãos julgadores deste Tribunal, e deixaram de ser aplicados.

Apesar disso, é importante reconhecer, antes de se fixar uma tese pelo rito do repetitivos, que a preocupação manifestada nesse dois últimos julgados, acerca do enriquecimento ilícito da instituição financeira, tem despertado a atenção da doutrina civilista pátria, que vem estudando o problema sob a ótica do palpitante tema do "lucro da intervenção".

Sobre esse tema, merece referência a obra "Responsabilidade civil e enriquecimento sem causa: o lucro da intervenção" (ed. Atlas, 2012), de autoria de SÉRGIO SAVI, doutor em direito civil pela UERJ.

Também merece referência o artigo intitulado "Dificuldades de uma abordagem unitária do lucro da intervenção", de autoria de CARLOS NELSON KONDER, professor-adjunto de Direito Civil da UERJ e da PUC-Rio, publicado na Revista de Direito Civil Contemporâneo, vol. 13, Out. - dez. 2017.

O lucro da intervenção, segundo SÉRGIO SAVI, é o "lucro obtido por aquele que, sem autorização, interfere nos direitos ou bens jurídicos de outra pessoa e que decorre justamente desta intervenção" (op. cit., p. 7).

Um exemplo didático, citado por CARLOS NELSON KONDER, é o caso de um jóquei que subtrai um cavalo, contra as ordens do dono, para participar de uma corrida, e acaba saindo vencedor. O jóquei recebe um valioso prêmio pela conquista, e retorna o cavalo ileso à baia. O dono do cavalo, segundo KONDER, não experimentou dano, pois o cavalo não estava destinado àquela corrida e, de todo modo, o animal retornou ileso. O jóquei, por outro lado, lucrou significativamente com a prática do ato ilícito. Ainda que se considerasse que o dono teria experimentado um dano correspondente ao aluguel do cavalo, mesmo assim o lucro obtido pelo jóquei seria muito mais significativo do que o dano causado. Esse lucro, ou essa diferença entre o lucro e o dano, é o que se denomina lucro da intervenção.

O lucro da intervenção também pode ser vislumbrado na hipótese da presente afetação, pois, como os bancos praticam taxas de juros bem mais altas do que a taxa legal, a instituição financeira acaba auferindo vantagem dessa diferença de taxas, mesmo restituindo o indébito à taxa legal.

O problema se torna grave, do ponto de vista da equidade, quando o indébito decorre de má-fé do banco, pois este acaba auferindo lucro com base numa conduta deliberadamente ilícita.

Em caso de má-fé e de juros a taxas elevadas (v.g., crédito rotativo), nem mesmo a sanção civil da repetição em dobro (art. 42, p. u., do CDC) seria suficiente para eliminar o lucro da intervenção.

Mencione-se, por exemplo, o caso subjacente ao Resp XXXXX/RS (de minha relatoria), em que uma instituição financeira em notória situação de crise de liquidez praticava reiteradamente a cumulação de comissão de permanência com juros remuneratórios e moratórios, além de multa contratual e correção monetária, auferindo lucros com essa patente abusividade contratual (cf. Tema XXXXX/STJ), fato que teria dado ensejo a cerca de dez mil ações individuais, conforme levantamento do MINISTÉRIO PÚBICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, evidenciando que a pratica abusiva era vantajosa para a instituição financeira, apesar das condenações judiciais.

Sob a ótica do lucro da intervenção, a instituição financeira teria que ser condenada não somente a reparar o dano causado ao mutuário, mas também a restituir o lucro que obteve com a cláusula abusiva.

A partir desses exemplos e das considerações até aqui delineadas, pode-se perceber que, por um lado, o lucro da intervenção é um plus em relação à indenização, no sentido de que esta encontra limite na extensão dos danos experimentadas pela vítima (função indenizatória do princípio da reparação integral), ao passo que o lucro da intervenção pode extrapolar esse limite.

Por outro lado, o lucro da intervenção é um minus em relação ao punitive damage, uma vez que este, tendo simultaneamente funções punitiva e preventiva, não está limitado ao lucro ou ao dano.

Sob outra ótica, pode-se perceber, também, que o lucro da intervenção é apenas um problema jurídico, não uma proposta de solução.

No exemplo do jóquei, é fácil identificar o problema, mas não é fácil encontrar uma solução, pois a restituição integral do prêmio seria medida excessiva, uma vez que a habilidade do jóquei também contribuiu para o sucesso do conjunto cavalo-cavaleiro, da mesma forma que a eficiência operacional do banco também contribui para o sucesso do mútuo.

Para um panorama das questões que emergem do problema do lucro da intervenção, merece referência o supracitado artigo da autoria de CARLOS NELSON KONDER, do qual se transcreve o seguinte trecho:

Nas palavras de Sérgio Savi, autor da principal obra brasileira específica sobre o assunto, 'lucro da intervenção significa o lucro obtido por aquele que, sem autorização, interfere nos direitos ou bens jurídicos de outra pessoa'. Ou seja, é qualquer vantagem patrimonial obtida indevidamente com base em direito alheio. A definição já identifica algumas das características próprias dessa nova categoria, a começar pela sua abrangência. De forma geral, qualquer ato de exploração ou aproveitamento, intencional ou não, de forma não autorizada, pode, em alguma medida, ser reconduzido à figura do lucro da intervenção.

Além disso, percebe-se que a denominação 'lucro da intervenção' descreve um problema, não uma solução. O alegado instituto aborda o fato de pessoas lucrarem ao intervir indevidamente sobre o direito das outras. De maneira geral, isso é reputado injusto e entende-se que esse comportamento deve ser sancionado, até mesmo porque, a própria definição de um direito subjetivo, no sentido de 'possibilidade de exigir, de maneira garantida, aquilo que as normas de direito atribuem a alguém como próprio', impõe inferir essa proteção: se fosse possível lucrar ao usurpar direitos dos outros, não haveria razão em se demandar autorização dos titulares e, consequentemente, se esvaziaria a própria tutela dos direitos.

Daí, contudo, a responder, de forma cientifica, quando, por que e como esse lucro deve ser retirado do interventor e atribuído ao titular do direito, é um grande passo, que a denominação 'lucro da intervenção', em si, não se destina a dar. Ou seja, a pergunta inicial não é se o lucro da intervenção deve ser retirado do patrimônio do ofensor e transferido ao titular do direito, mas sim quando e como isso deve acontecer.

Assim, pelo menos até o presente momento, não parece possível falar de um instituto do lucro da intervenção, se entendermos por instituto a 'reunião de norma jurídicas afins, que rege um tipo de relação social ou interesse e que se identifica pelo fim que procura realizar'. O que existe é a situação do lucro da intervenção - o 'problema' -, cabendo a cada ordenamento, dentro da sua sistemática, estabelecer os parâmetros pelos quais vai lidar com ele.

Na verdade, a situação é ainda mais grave: o chamado 'lucro da intervenção', sendo mais preciso, não é apenas um problema, mas um conjunto de problemas, que podem ocorrer em circunstâncias bastante distintas. Deve ser destacada, também, como característica do lucro da intervenção, sua heterogeneidade. [...]. (op. cit., cap. 8, item 2)

Sob a ótica do ordenamento jurídico brasileiro, a doutrina menciona como hipótese específica de restituição do lucro da intervenção aquela prevista no art. 210, inciso II, da Lei de Propriedade Industrial (Lei 9.279/1996), abaixo transcrita:

Art. 210. Os lucros cessantes serão determinados pelo critério mais favorável ao prejudicado, dentre os seguintes:

I - os benefícios que o prejudicado teria auferido se a violação não tivesse ocorrido; ou

II - os benefícios que foram auferidos pelo autor da violação do direito; ou

III - a remuneração que o autor da violação teria pago ao titular do direito violado pela concessão de uma licença que lhe permitisse legalmente explorar o bem.

Ao se estabelecer, nesse enunciado normativo, que os lucros cessantes serão equivalentes aos benefícios auferidos pelo autor da violação, determina-se a restituição do lucro da intervenção, embora sob a rubrica dos "lucros cessantes".

Afora essa hipótese específica, a doutrina especializada vislumbra uma norma sobre lucro da intervenção na disciplina geral do enriquecimento sem causa.

Confira-se, a propósito, a redação dos arts. 884 e 886 do Código Civil:

Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.

.........................................................

Art. 886. Não caberá a restituição por enriquecimento, se a lei conferir ao lesado outros meios para se ressarcir do prejuízo sofrido. (sem grifos no original)

Embora o art. 884 mencione expressamente a obrigação de restituir "o indevidamente auferido", a dificuldade que esse enunciado normativo apresenta quanto ao lucro da intervenção está no art. 886, que veda a ação por enriquecimento na hipótese em que o lesado disponha de outros meios de reparação, como a ação indenizatória, estabelecendo, assim, a subsidiariedade da ação de enriquecimento sem causa.

Apesar dessa subsidiariedade, os autores que defendem a restituição do lucro da intervenção sustentam que a norma do art. 886 vedaria tão somente o uso da ação de enriquecimento em fraude à lei ou em bis in idem, não estando vedada uma pretensão legítima de restituição do lucro da intervenção, ainda que o autor disponha de uma pretensão indenizatória.

Nesse entendimento, confira-se a doutrina de SÉRGIO SAVI, verbis:

A finalidade de tal regra é impedir a utilização do enriquecimento sem causa como mecanismo para burlar regras específicas, previstas em outros dispositivos do Código Civil ou da legislação extravagante, que muitas vezes limitam ou mesmo afastam a possibilidade de restituição.

É o que ocorre, por exemplo, na Lei das S.A que, em seu artigo 201, estabelece regra específica regulando a repetição de indébito de dividendos de acionistas.

O objetivo da regra da subsidiariedade é, portanto, o de evitar a fraude à lei. Não pode o enriquecimento sem causa ser utilizado como 'boia de salvação' para alguém que tinha à sua disposição outra ação, que se tornou inoperante por fato imputável àquela pessoa. A intenção do legislador com a regra da subsidiariedade é, portanto, a de que a ação de enriquecimento sem causa seja o último recurso que o empobrecido possa utilizar.

..................................................................

Para concluir, pode-se afirmar que, nos casos de enriquecimento por intervenção, o titular do direito poderá cumular a pretensão de enriquecimento sem causa com a pretensão de responsabilidade civil. O que ele não pode fazer é pedir duas vezes a mesma quantia, uma vez a título de dano sofrido e outra de enriquecimento obtido pelo autor da lesão. Na prática, o titular do direito deverá buscar a maior quantia entre o dano por ele sofrido e o enriquecimento obtido pelo réu. (op. cit., pp. 117 e 121)

Na linha desse entendimento doutrinário, a VIII Jornada de Direito Civil, ocorrida neste ano, aprovou o seguinte enunciado:

ENUNCIADO 620 - Art. 884: A obrigação de restituir o lucro da intervenção, entendido como a vantagem patrimonial auferida a partir da exploração não autorizada de bem ou direito alheio, fundamenta-se na vedação do enriquecimento sem causa.

No âmbito da jurisprudência desta Corte Superior, não há julgados específicos sobre o lucro da intervenção, tendo-se identificado tão somente o AREsp XXXXX/RJ, que foi convertido em recurso especial pelo Min. RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA em 08/09/2017.

Ante esse cenário do lucro da intervenção, torna-se prudente, no presente recurso repetitivo, fixar uma tese que não impeça a evolução da jurisprudência.

Nessa esteira, propõe-se uma tese menos abrangente, apenas para eliminar a possibilidade de se determinar a repetição com base nos mesmos encargos praticados pela instituição financeira, pois esses encargos, como já visto, não correspondem ao dano experimentado pela vítima, tampouco ao lucro auferido pelo ofensor.

A tese proposta, então, teria o seguinte enunciado: descabimento da repetição do indébito com os mesmos encargos praticados pela instituição financeira. [...] (grifos no original).

Pois bem.

O agravante sustenta que houve equívoco na aplicação do paradigma ao caso concreto, aduzindo que "a insurgência recursal" [...] "dá-se em virtude de o acórdão recorrido acompanhar/manter os termos da sentença no que tange aos critérios de repetição do indébito", pois "o magistrado singular determinou [...] a restituição na forma simples, observando os mesmos encargos praticados pela instituição financeira", razão pela qual "a decisão ora agravada, se mantida, não estará em sintonia com a recente reflexão sobre o tema".

Analisando os fundamentos do acórdão recorrido, observa-se que a Câmara de origem quanto à repetição do indébito, assim decidiu:

A instituição financeira ré defende a inexistência de valores a restituir ou compensar por não haver excessos no pacto. A parte autora, por sua vez, pugna pela repetição do indébito, em dobro, diante da cobrança de encargos abusivos e ilegais pela casa bancária.

O magistrado possibilitou a repetição do indébito na forma simples, assim como eventual compensação.

Pertinente a manutenção da sentença neste ponto, pois se porventura constado, na fase de liquidação, que estão sendo exigidos valores além dos patamares expostos na sentença e neste Acórdão, fica assegurado o direito do consumidor à repetição do indébito na forma simples.

É consabido que aos contratos bancários são aplicáveis as normas de defesa do consumidor (Súmula 297 do STJ). Assim, o art. 42, parágrafo único, da Lei n. 8.078/90, destaca que o consumidor cobrado em quantia indevida possui direito à repetição dos valores pagos a maior, porquanto é vedado à instituição financeira se locupletar as custas de outrem.

Nestes termos:

Art. 42. Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça.

Parágrafo único. O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável.

Acerca do dispositivo, comenta Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin:

A REPETIÇÃO DO INDÉBITO - O parágrafo único do art. 42 traz sanção civil para aquele que cobrar dívida em valor maior que o real.

[...] PRESSUPOSTOS DA SANÇÃO NO REGIME DOCDCC - A pena do art. 422,parágrafo únicoo, rege-se por três pressupostos objetivos e um subjetivo ("engano justificável").

No plano objetivo, a multa civil só é possível nos casos de cobrança de dívida; além disso, a cobrança deve ser extrajudicial; finalmente, deve ela ter por origem uma dívida de consumo.

[...]

COBRANÇA INDEVIDA POR USO DE CLÁUSULAS OU CRITÉRIOS ABUSIVOS - Muitas vezes, a cobrança indevida não decorre de erro de cálculo stricto sensu, mas da adoção, pelo credor, de critérios de cálculo e cláusulas contratuais financeiras não conformes com o sistema legal de proteção do consumidor.

Tal se dá, por exemplo, quando o fornecedor utiliza cláusula contratual abusiva, assim considerada pela lei por decisão judicial. Nesse sentido já se manifestou o STJ, pela voz do min. Aldir Passarinho Júnior: "Admite-se a repetição do indébito de valores pagos em virtude de cláusulas ilegais, em razão do princípio que veda o enriquecimento injustificado do credor." (Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto/ Ada Pellegrini Grinover... [et al.]. 9ª ed., Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007, p. 405 e 408/409).

Destarte, a devolução de valores com a possível compensação é devida na forma simples - uma vez que não há prova de má-fé ou dolo por parte da instituição financeira - e, sendo assim, não depende da comprovação de erro. Tal medida é adotada com fundamento nas normas consumeristas e no princípio do enriquecimento sem causa.

O entendimento desta Câmara é no sentido de que, reconhecida a cobrança de valores indevidos, "admite-se a repetição do indébito na forma simples, com a devida compensação, a fim de coibir o enriquecimento sem causa" ( AC n. 2010.045552-9, Des. Jânio Machado), independentemente da prova de erro no pagamento ou má-fé por parte da instituição credora ( AC n. 2010.041681-9, Des. Cláudio Valdyr Helfenstein).

Sendo assim, se na fase de cumprimento da sentença restar constatada a cobrança de valores indevidos, resta assegura o direito do consumidor à repetição do indébito na forma simples. Primeiramente, faz-se a compensação com o que é devido. Por último, faz-se a restituição de eventual indébito à parte autora, na forma simples.

Nesse contexto, a sentença que aplicou o referido entendimento deve ser mantida (fls. 523/525).

Por sua vez, ao proferir a sentença, o Magistrado a quo determinou que a repetição de indébito na forma simples, porém consignou que o indébito deva observar os mesmos encargos do contrato. Veja-se:

"Para restituição/compensação do indébito, é necessária a comprovação da transferência indevida de recursos, em razão da inexistência, da nulidade ou do desfazimento do negócio jurídico, ainda que parcial, independentemente da comprovação do erro, consoante interpretação dos arts. 368 e 884 do CC/2002 c/c art. 42, parágrafo único, do CDC.

A compensação/devolução deverá ser efetuada na forma simples, quando a cobrança é justificável por equívoco ou ignorância do comprador, ou na modalidade dobrada, na hipótese do excesso ser injustificável ou estar demonstrado o dolo, a culpa ou a má-fé na exigência (cf. STJ, AgRg no AResp XXXXX/MS, Antônio Carlos Ferreira, 11.06.2013).

Importa assinalar que o indébito deve observar os mesmos encargos que incidiram sobre o pagamento, de modo a manter o equilíbrio do negócio jurídico.

Aplicando tal entendimento ao caso concreto, verifica-se ser adequada a compensação/restituição na forma simples, ante o prévio reconhecimento de excesso (fl. 459).

Como se vê, assiste razão ao insurgente quando afirma que a Câmara julgadora não seguiu o entendimento firmado no Tema XXXXX/STJ, ao acompanhar/manter os termos da sentença no que tange os critérios de repetição do indébito. Veja-se, conquanto o togado tenha determinado com acerto a devolução dos valores na forma simples, na parte em que consignou" que o indébito deve observar os mesmos encargos que incidiram sobre o pagamento, de modo a manter o equilíbrio do negócio jurídico "(fl. 459), não se harmonizou com o entendimento cristalizado no Tema 968 do Superior Tribunal de Justiça.

Note-se, que o paradigma utilizado pela 3ª Vice- Presidência para negar seguimento ao recurso especial ( Resp n. 1.552.434/GO), refere-se ao" Descabimento da repetição do indébito com os mesmos encargos do contrato ", o que, como transcrito alhures, não foi observado.

A propósito, colhe-se da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:

RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. CPC/1973. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. MÚTUO FENERATÍCIO. CRÉDITO RURAL. ATUALIZAÇÃO PELOS ÍNDICES DA POUPANÇA. IPC/BTNF DE MARÇO DE 1990. PLANO COLLOR I. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. PRESCRIÇÃO VINTENÁRIA. PRECEDENTES. REVISÃO DE CONTRATOS FINDOS. CABIMENTO. SÚMULA 286/STJ. CÉDULA DE CRÉDITO RURAL. ÍNDICE DA CADERNETA DE POUPANÇA. BTNF. PRECEDENTES. JUROS REMUNERATÓRIOS. DESCABIMENTO. DUALIDADE DE ÍNDICES INSTITUÍDA POR LEI. AUSÊNCIA DE MÁ-FÉ DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS.

1. Julgamento do caso concreto referente ao Tema XXXXX/STJ.

2. Inocorrência de negativa de prestação jurisdicional.

3. Prescrição vintenária da pretensão de restituição do indébito decorrente da incidência de índices de março de 1990 (Plano Collor I), uma vez que, na data de entrada em vigor do Código Civil de 2002, já havia decorrido mais da metade do prazo prescricional. Precedentes.

4." A renegociação de contrato bancário ou a confissão da dívida não impede a possibilidade de discussão sobre eventuais ilegalidades dos contratos anteriores "(Súmula 286/STJ).

5. O índice de correção monetária aplicável às cédulas de crédito rural, no mês de março de 1990, nos quais prevista a indexação aos índices da caderneta de poupança, é o BTN no percentual de 41,28%.

Precedentes específicos do STJ.

6." Descabimento da repetição do indébito com os mesmos encargos do contrato "(Tema XXXXX/STJ).

7. Descabimento da condenação da instituição financeira mutuante a pagar juros remuneratórios na repetição de indébito, tendo em vista a ausência de má-fé daquela na aplicação do IPC ao crédito rural.

8. Carência de interesse recursal no que tange à sanção civil de repetição em dobro, sequer cominada nos presentes autos.

9. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO.

( Resp XXXXX/GO, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 12/03/2019, DJe 15/03/2019)

No mesmo sentido:

RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. CPC/1973. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. MÚTUO FENERATÍCIO. CRÉDITO RURAL. ATUALIZAÇÃO PELOS ÍNDICES DA POUPANÇA. IPC/BTNF DE MARÇO DE 1990. PLANO COLLOR I. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. PRESCRIÇÃO VINTENÁRIA. PRECEDENTES. REVISÃO DE CONTRATOS FINDOS. CABIMENTO. SÚMULA 286/STJ. CÉDULA DE CRÉDITO RURAL. ÍNDICE DA CADERNETA DE POUPANÇA. BTNF. PRECEDENTES. JUROS REMUNERATÓRIOS. DESCABIMENTO. DUALIDADE DE ÍNDICES INSTITUÍDA POR LEI. AUSÊNCIA DE MÁ-FÉ DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS.

1. Julgamento do caso concreto referente ao Tema XXXXX/STJ.

2. Inocorrência de negativa de prestação jurisdicional.

3. Prescrição vintenária da pretensão de restituição do indébito decorrente da incidência de índices de março de 1990 (Plano Collor I), uma vez que, na data de entrada em vigor do Código Civil de 2002, já havia decorrido mais da metade do prazo prescricional. Precedentes.

4." A renegociação de contrato bancário ou a confissão da dívida não impede a possibilidade de discussão sobre eventuais ilegalidades dos contratos anteriores "(Súmula 286/STJ).

5. O índice de correção monetária aplicável às cédulas de crédito rural, no mês de março de 1990, nos quais prevista a indexação aos índices da caderneta de poupança, é o BTN no percentual de 41,28%. Precedentes específicos do STJ.

6." Descabimento da repetição do indébito com os mesmos encargos do contrato "(Tema XXXXX/STJ).

7. Descabimento da condenação da instituição financeira mutuante a pagar juros remuneratórios na repetição de indébito, tendo em vista a ausência de má-fé daquela na aplicação do IPC ao crédito rural.

8. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO. ( Resp XXXXX/GO, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 12/03/2019, DJe 15/03/2019)

Dessarte, se no caso discutido nestes autos a Câmara de origem entendeu por manter a sentença que, por sua vez, determinou que a restituição do indébito deva observar os mesmos encargos do contrato, caracterizado está o equívoco no enquadramento do paradigma ao caso em apreço [ Resp n. 1.552.434/GO, julgado em 13/6/2018, (Tema 968)], razão pela qual há que se anular a decisão que negou seguimento ao recurso especial, bem como aquela que a manteve, devendo os autos retornar à 3ª Vice-Presidência para novo juízo de admissibilidade.

Pelo exposto, voto no sentido de conhecer do agravo interno e dar-lhe provimento para anular a decisão que negou seguimento ao recurso especial, bem como aquela que a manteve, determinando-se o retorno dos autos à 3ª Vice-Presidência para novo juízo de admissibilidade no tocante à matéria discutida.


Gabinete 3º Vice-Presidente


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