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18 de Maio de 2024
  • 2º Grau
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Tribunal de Justiça de Santa Catarina TJ-SC - Apelação Criminal: APR XXXXX-12.2019.8.24.0064 São José XXXXX-12.2019.8.24.0064 - Inteiro Teor

Detalhes

Processo

Órgão Julgador

Terceira Câmara Criminal

Julgamento

Relator

Getúlio Corrêa

Documentos anexos

Inteiro TeorTJ-SC_APR_00067051220198240064_f6c71.pdf
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Inteiro Teor



Apelação Criminal n. XXXXX-12.2019.8.24.0064, São José

Apelantes : Itenia Aparecida de Oliveira Alves e outro
Advogado : Mauricio Schuck (OAB: 16562/SC)
Interessado : Ministério Público do Estado de Santa Catarina
Promotor : Gustavo Wiggers (Promotor)

Relator: Desembargador Getúlio Corrêa

DECISÃO

1. O recurso é tempestivo e adequado.

2. Trata-se de apelação criminal com pedido de tutela de urgência interposto por Itênia Aparecida de Oliveira Alves e Paulo Henrique de Oliveira Câmara contra decisão da 1ª Vara Crminal da comarca de São José que, nos autos n. XXXXX-12.2019.8.24.0064, extinguiu o processo sem julgamento do mérito, com fulcro no art. 485, VI, do CPC.

Sustentaram os apelantes, em síntese, que Itenia Aparecida de Oliveira Alves encontra-se em estado gravídico, com aproximadamente sete meses de gestação, com data provável para parto em 22.10.2019, de um feto que, conforme documentos médicos colacionados, possui "trissomia do cromossomo 13, condição incompatível com a vida" (fl. 07), circunstância esta que acarretaria em má formação cerebral, incompatível com a vida extrauterina.

Requereram a concessão de decisão liminar para deferir a realização de intervenção cirúrgica de interrupção de gravidez e, no mérito, a confirmação de decisão antecipatória eventualmente deferida e a concessão do benefício da justiça gratuita.

3. A antecipação da tutela recursal em apelação depende da averiguação da probabilidade do direito dos apelantes e o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo.

Com efeito, tem razão os recorrentes.

Ora, com todas as vênias ao Magistrado Marlon Negri, não se desconhece que as hipóteses legais que permitem a prática do aborto são taxativas e não há previsão legal de aborto eugênico.

Contudo, em uma análise sumária do feito, vê-se que a interrupção da gravidez da apelante comporta fundamento, sobretudo diante do pedido realizado pelo próprio HU - Hospital Universitário Professor Polydoro Ernani de São Thiago, à fl. 18.

Aliás, como brilhantemente exposto pelo Procurador de Justiça Lio Marcos Marin:

"O pleito merece provimento.

Inicialmente, convém destacar que a legislação penal brasileira tutela as causas excludentes de ilicitude específicas do crime de aborto no art. 128, I (aborto terapêutico) e II (aborto sentimental), do Código Penal:

Art. 128. Não se pune o aborto praticado por médico:

I - se não houver outro meio de salvar a vida da gestante;

II - se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.

Além disso, o aborto anencefálico, que embora não possua discriminante legal específica, conta com decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, na ADPF n. 54, que permitiu a interrupção da gravidez nos casos em que não há possibilidade de vida do feto fora do útero, especialmente o feto anencéfalo.

No caso em tela, apesar de não se tratar diretamente de anencefalia, o feto que a apelante Itenia carrega em seu ventre não possui condição de vida extrauterina, o que está devidamente demonstrado na documentação médica de pp. 17-23.

Com o devido respeito à decisão proferida em primeiro grau de jurisdição, que afirmou que o caso não se amolda especificamente ao julgado do Supremo Tribunal Federal, não há dúvidas que a melhor solução à situação posta é a interrupção da gravidez, pautada em um dos mais importantes fundamentos da República, qual seja a dignidade da pessoa humana.

A dignidade da pessoa humana, no que diz respeito à gestante, está pautada no princípio da liberdade, pois o fato de obrigá-la a prosseguir uma gravidez como à exposta nos autos, é ser conivente com a tortura.

Não há motivo plausível para que o Estado obrigue a paciente a manter uma gravidez até o fim sabendo que quando seu filho nascer, não terá ele chances de sobrevivência. O prolongamento de uma gestação fadada à morte só causará sofrimento psicológico intenso e inútil aos apelantes, que só desejam seguir com a vida, após o devastador diagnóstico da impossibilidade de sobrevivência de sua prole.

HABEAS CORPUS PREVENTIVO. POSTULADA A INTERRUPÇÃO DA GRAVIDEZ EM VIRTUDE DE O FETO SER ACOMETIDO DA SÍNDROME DE EDWARDS E PATOLOGIAS CORRELATAS E EXISTIR RISCO DE VIDA E DE DANOS PSICOLÓGICOS À GESTANTE E A TODA A FAMÍLIA. DOENÇAS GENÉTICAS QUE, ASSOCIADAS, SÃO APTAS A AFERIR A INVIABILIDADE DE VIDA EXTRAUTERINA. LAUDOS PERICIAIS ATESTANDO PERSPECTIVA ÍNFIMA DE VIDA NA HIPÓTESE DE NASCIMENTO. EXEGESE DO ART. , XXXV, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, C/C ART. 4º DA LEI DE INTRODUÇÃO ÀS NORMAS DO DIREITO BRASILEIRO E ART. DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA ANALOGIA AO ENTENDIMENTO FIRMADO PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NA ADPF 54/2004. RISCO DE VIDA À GESTANTE EVIDENCIADO PELOS ELEMENTOS DE PROVA ANGARIADOS AOS AUTOS. DIREITO À VIDA E À DIGNIDADE DA PACIENTE QUE PREVALECE SOBRE O FUTURO INFANTE. INTELIGÊNCIA DO ART. , CAPUT, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988, E DOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE. INTERRUPÇÃO QUE VISA EVITAR MAIORES DANOS PSICOLÓGICOS À GESTANTE E SOFRIMENTOS PARA TODA A FAMÍLIA. CONCESSÃO DA ORDEM.

- A inviabilidade de vida extrauterina ou ínfima de sobrevida após o nascimento, atestada por minuciosos exames e laudos médicos, permite a interrupção da gravidez de feto portador da Síndrome de Edwards e anomalias correlatas, por força do princípio da analogia ao caso concreto apreciado pelo STF na ADPF 54/2004.

- O risco de vida à gestante amolda-se ao disposto no art. 128, I, do Código Penal, de forma que é permitido o aborto terapêutico ou necessário sem que a conduta possa ser considerada formalmente típica.

- Os futuros danos psicológicos à gestante e a toda a família na continuidade de uma gravidez infrutífera devem ser evitados quando for certificada a inviabilidade de vida do feto fora do útero e riscos de vida para a mãe.

- Parecer da PGJ pela concessão da [...] 1

Portanto, por tais razões e pautado em exames médicos que retratam de maneira clara e precisa que não há chances de sobrevivência extrauterina do feto, deve ser provido o reclamo, para que seja concedido aos apelantes alvará judicial permitindo a interrupção da gravidez" (fls. 115-116).

Em caso similar ao dos autos, o Tribunal de Justiça Gaúcho já se manifestou:

"PEDIDO DE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL PARA INTERRUPÇÃO DA GRAVIDEZ. FETO QUE APRESENTA SÍNDROME DE PATAU. DOCUMENTOS MÉDICOS COMPROBATÓRIOS. DIFÍCIL POSSIBILIDADE DE VIDA EXTRA-UTERINA. NESSE CASO, OLIGOFRENIA ACENTUADA E FREQÜENTES CONVULSÕES. EXCLUSÃO DA ILICITUDE. APLICAÇÃO DO ART. 128, I, DO CP, POR ANALOGIA IN BONAM PARTEM.

Considerando-se que, por ocasião da promulgação do vigente Código Penal, em 1940, não existiam os recursos técnicos que hoje permitem a detecção de malformações e outra anomalias fetais, inclusive com a certeza de morte ou de deficiência física ou mental do nascituro, e que, portanto, a lei não poderia incluir o aborto eugênico entre as causas de exclusão da ilicitude do aborto, impõe-se uma atualização do pensamento em torno da matéria, uma vez que o Direito não se esgota na lei, nem está estagnado no tempo, indiferente aos avanços tecnológicos e à evolução social. Ademais, a jurisprudência atual tem feito uma interpretação extensiva do art. 128, I, daquele diploma, admitindo a exclusão da ilicitude do aborto, não só quando é feito para salvar a vida da gestante, mas quando é necessário para preservar-lhe a saúde, inclusive psíquica. Diante da moléstia apontada no feto, que provavelmente lhe causará a morte e, em caso de sobrevivência, provocará oligofrenia acentuada e freqüentes convulsões, e da circunstância de que o casal de requerentes já possui um filho com retardo mental e dificuldade motora, pode-se vislumbrar na continuação da gestação sério risco para a saúde mental da primeira apelante, o que inclui a situação na hipótese de aborto terapêutico previsto naquele dispositivo. Apelo provido, por maioria. (SEGREDO DE JUSTIÇA)" (ACrim. n. XXXXX, Des. Manuel José Martinez Lucas, j. 02.04.2003).

E, ainda, do TJMT:

"APELAÇÃO CÍVEL - ANTECIPAÇÃO TERAPÊUTICA DO PARTO - INDICAÇÃO MÉDICA - FETO COM SÍNDROME DE PATAU - REQUERIMENTO DOS PAIS - DIREITO DA MULHER - APLICAÇÃO ANALÓGICA, NOS TERMOS DO ART. DA LEI DE INTRODUÇÃO AO CÓDIGO CIVIL E DO ART. 128, I E II, DO CÓDIGO PENAL - RECURSO PROVIDO.

Se há nos autos documentos que comprovam que se o feto sobreviver ao parto, sobreviverá por poucas horas ou poucos dias (fl. 68), a sua incolumidade não pode ser preservada a qualquer custo, em detrimento dos direitos básicos da mulher, que devem ser preservados em razão da exclusão da ilicitude, por aplicação do art. 128, I e II, do CP, por analogia in bonam partem" (ACrim n. XXXXX-79.2013.8.11.0041, Des. Juracy Persiani, j. 11.09.2013).

Assim, diante do caso concreto, mais prudente e razoável mostra-se permitir que a apelante submeta-se a procedimento médico destinado à interrupção da gravidez.

4. À vista do exposto, defere-se a antecipação da tutela recursal a fim de deferir o pedido de interrupção da gravidez de Itenia Aparecida de Oliveira Alves, determinando a imediata expedição de ofício ao HU - Hospital Universitário Professor Polydoro Ernani de São Thiago.

5. Intime-se.

6. Comunique-se, com urgência, ao juízo a quo.

Florianópolis, 31 de julho de 2019.

Desembargador Getúlio Corrêa

Relator


1 TJSC. Habeas Corpus n. XXXXX-37.2016.8.24.0000, de Blumenau. Rel. Des. Luis César Schweitzer.

Primeira Câmara Criminal. Julgado em 2/2/2016 (grifou-se)



Gabinete Desembargador Getúlio Corrêa


Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/tj-sc/738894680/inteiro-teor-738894758