7 de Julho de 2022
- 2º Grau
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Detalhes da Jurisprudência
Órgão Julgador
Julgamento
Relator
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Inteiro Teor
ESTADO DE SANTA CATARINA
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Apelação Cível n. 0300669-73.2016.8.24.0034, de Itapiranga
Relator: Desembargador Luiz Cézar Medeiros
PROJETO LAR LEGAL - RESOLUÇÃO CM-TJSC N. 8, DE 9.6.2014 - RECONHECIMENTO DE DOMÍNIO SOBRE IMÓVEL - DESTINAÇÃO A PESSOAS DE BAIXA RENDA - REQUISITO NÃO RESTRITIVO - SENTENÇA CASSADA - RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM PARA PROSSEGUIMENTO DO FEITO
A concepção do Projeto Lar Legal em favor de pessoas preponderantemente de baixa renda não configura, por si só, requisito restritivo a quem não demonstre hipossuficiência econômica. O direito do interessado de ver declarado o domínio do imóvel pretendido não pode ser obstaculizado em razão de sua condição financeira, em face da inexistência de amparo regulamentar ou legal.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 0300669-73.2016.8.24.0034, da Comarca de Itapiranga Vara Única em que são Apelantes Adriani Luiza Linn e outros e Apelada Celsi Teresinha Melchiors.
A Quinta Câmara de Direito Civil decidiu, por votação unânime, conhecer do recurso e dar-lhe provimento para cassar a sentença e determinar o retorno dos autos à Comarca de origem. Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, realizado no dia 4 de julho de 2017, os Excelentíssimos Senhores Desembargador Luiz Cézar Medeiros, Desembargador Henry Petry Junior e Desembargador Jairo Fernandes Gonçalves.
Florianópolis, 5 de julho de 2017.
Desembargador Luiz Cézar Medeiros
PRESIDENTE E RELATOR
RELATÓRIO
Adoto o relatório da sentença de fl. 147, da lavra do Meritíssimo Juiz Rodrigo Pereira Antunes, por refletir fielmente o contido no presente feito:
"Trata-se de"Ação de reconhecimento do domínio de propriedade regularização fundiária projeto lar legal"ajuizada por Adriani Luiza Linn, Leci Terezinha Lauer e Valdecir da Silva, todos devidamente qualificados.
Aduziram os autores na inicial que são ocupantes do imóvel pertencente à matrícula nº 9.922 do Cartório de Registro de Imóveis de Itapiranga, com área total de 11.646,42 m². Assinalaram que atualmente o local é ocupado por três famílias, todas em situação irregular, posto que, nunca foi realizado o procedimento legal de loteamento da área, a qual é conhecida popularmente como área Melchiors, Bairro Santa Tereza.
Argumentaram que trata-se de área consolidada a qual pertence ao perímetro urbano municipal, conforme demonstrado no mapa geral do município.
Fundamentaram seu direito com base na resolução nº 08/2014, do Conselho da Magistratura,"Projeto Lar Legal".
Ao final, dentre outros pedidos de praxe, requereram a procedência do feito para declarar o reconhecimento de domínio dos lotes urbanos aos interessados e ocupantes, conforme identificação, memoriais descritivos e mapas (fls. 01/14). Juntaram procurações e documentos (fls. 15/113).
Nos termos do despacho de fl. 114 foi recebida a inicial, deferido o benefício da justiça gratuita, determinada a notificação dos interessados, confrontantes, e das Fazendas Públicas.
Intimadas as Fazendas Públicas, a União se manifestou às fls. 117/118.
Intimados os confrontantes, não se manifestaram (fl. 139).
O Ministério Público, manifestou-se pela improcedência do feito (fls. 143/145)".
Restou consignado na parte dispositiva da sentença:
"Diante do exposto, com fulcro no art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil, JULGO IMPROCEDENTE a presente"Ação de reconhecimento do domínio de propriedade regularização fundiária projeto lar legal"formulada por Adriani Luiza Linn, Leci Terezinha Lauer e Valdecir da Silva.
Custas pela parte autora. Sem honorários.
Restam suspensas as exigibilidades, pois concedido à parte postulante a benesse da Justiça Gratuita (fl. 114)" (fl. 149).
Não conformados com a prestação jurisdicional, os autores apelaram, aduzindo que a Resolução CM n. 8, de 9.6.2014, prevê o reconhecimento do domínio sobre bem imóvel em favor de pessoas "preponderantemente de baixa renda" (art. 1º), o que não os excluiria, em razão do princípio da função social da propriedade (fls. 157-158). Aduziram que "a renda apresentada está somente um pouco acima do que pode ser considerado de baixa renda" (fl. 158).
A douta Procuradoria Geral da Justiça, em parecer da lavra da Doutora Walkyria Ruicir Danielski, opinou pelo conhecimento e desprovimento do apelo, mantendo-se, assim, a sentença objurgada por seus próprios fundamentos (fls. 171-179).
VOTO
1 Presentes os pressupostos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade recursal, o reclamo merece ser conhecido, passando-se, desta forma, à análise do mérito.
2 Trata-se de verificar a correção ou não da sentença que, fundamentada no parecer do Ministério Público, concluiu "pelo não preenchimento de todos os requisitos previstos na Resolução CM n. 8/2014, posto que o objetivo desta é viabilizar a regularização de ocupações fundiárias em favor de pessoas de baixa renda" (fl. 149).
Os autores pretendem a regularização fundiária, com base no Programa Lar Legal, do imóvel registrado sob a Matrícula n. 9.922 no Ofício da comarca de Itapiranga, consistente em parte da Chácara Urbana n. 16 com área 11.646,42 m2.
Prevê a Resolução CM n. 8, de 9.6.2014:
"Art. 1º O reconhecimento do domínio sobre imóvel urbano ou urbanizado integrante de loteamento ou desmembramento (fracionamento ou desdobro) não autorizado ou executado sem a observância das determinações do ato administrativo de licença, localizado em área urbana consolidada, implantada e integrada à cidade, excluídas as áreas de risco ambiental ou de preservação permanente definidas em lei, em favor de pessoas preponderantemente de baixa renda, poderá ser obtido conforme o disposto nesta resolução" [grifou-se] (art. 1º).
Como referido pelo ilustre Promotor de Justiça, Doutor Pedro Lucas de Vargas, "o Lar Legal é um programa executado em conjunto pelo Poder Executivo Estadual - Secretaria de Assistência Social, Trabalho e Habitação -, Poder Judiciário, Ministério Público e Assembleia Legislativa de Santa Catarina, que assinaram, em novembro de 2011, o Termo de Cooperação Institucional, visando a conjugação de esforços para viabilizar os procedimentos necessários à concretização da regularização fundiária no estado, focando na titulação das moradias passíveis de legalização e desencadeando as necessárias medidas urbanísticas, ambientais e sociais que garantam a inclusão socioespacial e a consequente melhoria da qualidade de vida da população beneficiária" (fl. 38).
Ainda que haja referência dos destinatários do sobredito regulamento, que visa incentivar a regularização do domínio de imóveis, não se constata, na linha do sustentado pelos apelantes, restrição às pessoas que não demonstrem baixa renda.
Essa conclusão é corroborada pelo art. 4º da Resolução CM n. 8, de 9.6.2014, que não prevê nenhuma demonstração de hipossuficiência econômica a instruir a petição inicial ou critérios objetivos caracterizadores da baixa renda.
Consta da exposição de motivos do referido regulamento que o objetivo primordial do Projeto Lar Legal "é proteger os adquirentes de imóveis, especialmente os integrantes de loteamentos ou parcelamentos equivalentes, sob o fundamento de que a Constituição Federal, ao garantir o direito de propriedade, não estabeleceu outras limitações, assegurando ao cidadão não apenas o acesso e a posse, mas a correspondente titulação, porque só com a implementação desse requisito torna-se possível o pleno e adequado exercício do direito. A irregularidade fundiária, ademais, impossibilita a concretização de direitos e garantias fundamentais".
Seria um contrassenso, por fim, a citada resolução proteger o direito do adquirente do imóvel e, ao mesmo tempo, exigir-lhe a demonstração de hipossuficiência econômica.
Por essas razões, a sentença de improcedência merece ser reformada, em face da inexistência de amparo regulamentar ou legal a fundamentar a restrição de os autores se valerem da regularização imobiliária oportunizada pelo Projeto Lar Legal tão somente por não demonstrarem a baixa renda.
3 Como o presente procedimento ainda não está apto à análise do mérito, pois pendente a intimação do Município (Resolução CM n. 8, de 9.6.2014, art. 4º, parágrafo único), bem como dos eventuais interessados por edital (art. 5º), determino o retorno dos autos à origem, com a finalidade de dar prosseguimento à demanda.
4 Ante o exposto, conheço do recurso e dou-lhe provimento para cassar a sentença e determinar o prosseguimento do feito, com a finalidade de verificar se presentes os demais requisitos autorizadores do reconhecimento de domínio dos imóveis almejado pelos requerentes.