9 de Agosto de 2022
- 2º Grau
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Detalhes da Jurisprudência
Processo
Órgão Julgador
Partes
Publicação
Julgamento
Relator
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Inteiro Teor
Dados do acórdão | |
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Classe: | Recurso Criminal |
Processo: | |
Relator: | Thereza Tang |
Data: | 1991-09-20 |
DJJ: 8.443DATA: 18/02/92PAG: 08
Recurso criminal n. 9.126, de Lages.
Relatora: Desa. Thereza Tang.
Recurso criminal.
Aborto consentido.
Quem colabora no delito da abortante, como mero auxiliar ou encorajador, sem participação direta no ato material ou cirúrgico, comete o crime do art. 124, e não o do art. 126, que é o da executante da operação física.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de recurso criminal n. 9.126, da comarca de Lages (1a. Vara Criminal), em que são recorrentes Gunilda Monteiro Martins e Izarina da Silva Coscodai, e recorrida a Justiça, por seu Promotor:
ACORDAM, em Segunda Câmara Criminal, por votação unânime, negar provimento ao recurso de Izarina Coscodai e prover parcialmente o de Gunilda Monteiro Martins para desclassificar a infração para a hipótese do art. 124, do Código Penal.
Custas ex lege .
Na comarca de Lages (1a. Vara Criminal), Izarina Coscodai e Gunilda Monteiro Martins foram pronunciadas como incursas nas sanções dos artigos 126 c/c o 127, in fine , c/c o art. 29, todos do Código Penal.
Inconformadas, recorrem da decisão. Gunilda Monteiro Martins alega inexistir, nos autos, prova de sua participação, requerendo sua impronúncia. Alternativamente pede a desclassificação do delito para o capitulado no art. 124, do Código Penal. Por sua vez Izarina Coscodai alega não existir prova da materialidade da infração e da autoria.
Contra-arrazoados os recursos, os autos subiram e, nesta Instância, a douta Procuradoria Geral de Justiça, em parecer da lavra do Dr. Nuno de Campos, opina pelo conhecimento de ambos os recursos, para desprover o de Izarina e prover, parcialmente, o da recorrente Gunilda, para desclassificar a infração para a hipótese do art. 124 do Código Penal.
Razão assiste ao douto parecerista.
A materialidade do aborto restou comprovada pelo auto de exame cadavérico de fls. 07 e declarações dos médicos Belmiro Sagiotto, Osmar Guzzatti Filho e Heron Costa Anderson de Souza (fls. 119/121), que concluíram: "Causa mortis : choque séptico por septicemia conseqüente a perfuração uterina por aborto".
A autoria do delito também está comprovada pelo depoimento das testemunhas e informantes: Marlei Aparecida da Silva Xavier Oliveira (fls. 118v.) declara que "a vítima disse para a depoente que foi fazer aborto com a Dona Izarina com uma sonda... que a vítima foi pedir dinheiro emprestado para o marido da depoente para fazer o aborto e disse que ia fazer o aborto com a acusada Izarina". Juliana de Fátima Xavier, às fls. 122v., também declara "que a depoente soube por comentários de que a vítima foi fazer aborto na dona Izarina". Maria das Graças Oliveira Xavier (fls. 123) e Agenor Silva de Oliveira (fls. 122) informam, respectivamente: "que a informante disse que o aborto foi feito em uma abortadeira perto da igreja do navio; e tal senhora tem fama de abortadeira porque tem fama de fazer aborto; que a informante a conhece pelo nome de Izarina" ; "que o depoente foi procurado pela vítima para emprestar dinheiro para fazer um aborto".
Quanto à co-autoria imputada à recorrente Gunilda, existem indícios de que de algum modo contribuiu para o resultado, conforme se depreende dos depoimentos: Marlei Aparecida da Silva Xavier Oliveira, às fls. 118v., declara: "que a depoente ouviu a acusada Gunilda falar à vítima para fazer o aborto na casa de Dona Izarina; que a depoente ouviu a acusada Gunilda afirmar para a vítima que podia fazer o aborto que não ia acontecer nada; que a acusada Gunilda disse para a vítima que o aborto custava cento e cinqüenta cruzeiros, mas para a vítima seria feito por cem cruzeiros; que a depoente acha que a acusada Gunilda era amiga da vítima". Maria das Graças Oliveira Xavier informa: "que a vítima sabia que Izarina fazia aborto através da acusada Gunilda, fls.123".
Segundo corrente jurisprudencial acolhida nesta Casa e que se louva em entendimento do Excelso Pretório, quem assim procede, encorajando, prestando efetiva colaboração à abortante consciente, deve responder como co-autor da ação dela, pois comete o crime do artigo 124 do Cód. Penal, em co-autoria, e não o do art. 126, que é o da executante material da operação.
Neste sentido memorável julgado do Supremo Tribunal Federal, onde a matéria foi amplamente discutida, colhendo-se nos votos proferidos as seguintes passagens: "Sem dúvida, se há dois crimes no aborto consentido (obviamente praticado por dois agentes), e se a norma penal confere tratamento diverso a cada um deles, tanto que pune o provocador com uma pena mais grave (reclusão) do que a gestante consciente (detenção), aceitável me parece a tese de que, no caso de co-participação, é de se diferençar o partícipe que coopera com o provocador e o que auxilia a gestante.
"Se o co-participante coopera com o provocador na execução material do aborto consentido, merece ele havido como incurso no art. 126 do CP combinado com o art. 25 do seu texto; se, entretanto, o co-participante presta auxílio à gestante consciente, e faz isto sem cometer ato materialmente executório do aborto, o seu crime é o do art. 124 do CP combinado com o art. 25 do mesmo diploma"(RTJ, 79/21).
No mesmo sentido:
"Aborto - Delito que se afirma praticado com o consentimento da gestante - Co-autoria imputada terceira pessoa, por lhe haver recomendado a parteira - Desclassificação da infração para a hipótese do art. 124 do CP"(RT - 599/315).
A doutrina assim tem se manifestado. Celso Delmanto , in Código Penal Comentado, edição de 1986, pág. 212, ensina:"Concurso de pessoas: Quem apenas auxilia a gestante, induzindo, indicando, instigando, acompanhando, pagando, etc., será co-partícipe do crime do art. 124 e não do art. 126, do Código Penal. A co-autoria do art. 126 deve ser reservada, apenas, a quem eventualmente auxilie o autor da execução material do aborto (ex: enfermeira, anestesista, etc.)".
Assim, nega-se provimento ao recurso de Izarina Coscodai e provê-se parcialmente o de Gunilda Monteiro Martins para desclassificar a infração para a hipótese do art. 124, do Código Penal.
Participaram do julgamento, com votos vencedores, os Exmos Srs. Des. José Roberge e Rogério Lemos.
Florianópolis, 20 de setembro de 1991.
Thereza Tang
Presidente e Relatora
Demétrio C. Serratine
Procurador de Justiça