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19 de Abril de 2024
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    TJ absolve imigrante alemão que explodiu ponte para cobrar dívida de Railway Company

    Especial 100 anos de Contestado - Parte III

    Pesquisa e Texto: Gustavo Falluh

    Na madrugada de 22 para 23 de julho de 1907, à uma hora da manhã, o imigrante alemão Georg Ernest Kullack explodiu com três bombas de dinamite um pontilhão da Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande e derrubou a machadadas um poste da linha telegráfica da companhia Brazil Railway Company, que não lhe pagara o valor prometido pela desapropriação de sua terra. Ambas as instalações perpassavam seu terreno, em Jaraguá do Sul.

    Testemunhas relataram que o estrondo das explosões pôde ser ouvido de longe. Logo em seguida, populares cercaram o imigrante e o mantiveram cativo até a chegada do cabo João Alberto da Silva, designado pelo comissário de polícia para guardar o trecho da ferrovia em Joinville, o qual o prendeu em flagrante com a ajuda da população.

    Dez dias antes, o representante da Companhia Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande enviara uma carta ao subcomissário de polícia do distrito de Jaraguá do Sul, em que denunciava missiva do imigrante, recebida no dia anterior, como crime de ameaça. Nela, o remetente dizia que, se a empresa não lhe pagasse os 200 mil réis acordados pela expropriação até o dia 22 de julho de 1907, explodiria com dinamite o percurso construído sobre o terreno:

    "Jaraguá, 10 de julho de 1907

    Pelo presente faço-lhe a comunicação que desde ontem começaram a pôr dormentes e trilhos no trecho da linha da estrada de ferro sobre o meu terreno. No dia 5 de junho V. S. rogara-me ainda ter um pouco de paciência, até realizar o pagamento em breve tempo. Como acima dito, vão ser feitos os últimos trabalhos da linha na minha propriedade, e concedo-lhe o último prazo do pagamento até o dia 22 de julho de 1907. Não tendo eu recebido até o dito dia a quantia ajustada de duzentos mil réis, me vejo forçado [...] a destruir os trabalhos, feitos com inaudito atrevimento acima da minha propriedade, com dinamite ou outras matérias explosivas.

    D. V. E. Mto affto

    Georg Ernst Kullack"

    Nascido em Lützen, na antiga Prússia – território que englobava a Alemanha e outras nações europeias –, em 1877, Kullack veio para o Brasil trabalhar como lavrador. Era casado e tinha 30 anos quando procedeu à destruição. Segundo levantamento em juízo, o estrago provocado pela fúria do imigrante alcançou 150 mil réis, quase a totalidade da compensação acertada.

    Dois meses depois, em 10 de setembro de 1907, pela manhã, após o toque da campainha na sala do Tribunal do Júri de Joinville, no edifício do Governo Municipal, ocorreu o julgamento de Kullack, presidido pelo juiz de direito Bento Emilio Machado Portella. A sessão contou com a ajuda de um intérprete para traduzir ao acusado o conteúdo da audiência. Dos 48 jurados convocados, 45 compareceram. A promotoria recusou nove. A defesa, quatro. Dentre os restantes 11 foram sorteados. Organizado o Conselho de Jurados, houve o juramento.

    Em seguida, o presidente do júri interrogou Kullack. Este afirmou que não procedera com intenção criminosa, pois considerava o atentado dentro da lei. O promotor público Cesar Pereira de Souza pedia a condenação em grau máximo, pelo artigo 149 do Código Penal de 1890, que dispunha sobre os crimes contra a segurança dos meios de transporte ou comunicação. A pena máxima era de três anos de prisão, mais multa de 5 a 20% sobre o dano causado.

    O defensor do acusado, por sua vez, requeria a absolvição do réu de acordo com o artigo 24 do mesmo código. Argumentava que as ações ou omissões contrárias à lei penal não cometidas com intenção criminosa, ou não resultantes de negligência, imprudência ou imperícia, não eram passíveis de pena. Apresentadas as razões das partes, o Conselho do Júri se retirou para a sala secreta, guardada por dois oficiais de Justiça. Por ordem do presidente Portella, os jurados retornaram à sala com o veredicto.

    O magistrado transmitiu a decisão imediatamente: "Proferiu a sua sentença, absolvendo o réu da acusação que contra ele foi intentada, mandando que se lhe dê baixa na culpa e condenando a Municipalidade nas custas." De pronto, o promotor disse que apelava da sentença. Na peça, teceu diversas críticas à instituição do júri. "É de todos os dias a absolvição de réus confessos, devido ao indiferentismo ou complacência com que o conselho de sentença toma conhecimento dos processos, devido, também muitas vezes, aos meios fraudulentos, tendentes a deturpar e infamar os fins da nobre instituição."

    Não obstante, em 30 de setembro de 1907, Kullack solicitou sua fiança definitiva. Para tanto, precisou de um fiador que bancasse a quantia de 930 mil réis para a soltura até o julgamento da apelação. Mais uma vez, ele repisou que acreditava na inviolabilidade da propriedade. E demonstrou o esforço para tratar com a Brazil Railway Company, que não lhe dava ouvidos. No ano seguinte, em 21 de fevereiro de 1908, o Superior Tribunal de Justiça de Florianópolis viria a confirmar a sentença.

    Era a consagração dos direitos de um homem que não se absteve da luta pela terra usurpada à base de gente armada, que procurou justiça à sua maneira e a encontrou disposta a ponderar suas motivações. Uma Justiça mais humana, necessária.

    Clique aqui para ver a apresentação do Especial Contestado, produzido pela Assessoria de Imprensa do TJSC.

    Se preferir, o Museu do Judiciário, no hall superior da Torre I do TJ, na rua Álvaro Mullen da Silveira, 208, está com exposição sobre a Guerra do Contestado de segunda a sexta-feira, das 12 às 19 horas, com entrada gratuita, até o dia 31 de março de 2017.

    Responsável: Ângelo Medeiros - Reg. Prof.: SC00445 (JP) Textos: Américo Wisbeck, Ângelo Medeiros, Daniela Pacheco Costa e Sandra de Araujo
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    Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/tj-absolve-imigrante-alemao-que-explodiu-ponte-para-cobrar-divida-de-railway-company/433312447

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