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20 de Maio de 2024
  • 2º Grau
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Detalhes

Processo

Órgão Julgador

Segunda Câmara de Direito Civil

Partes

Publicação

Julgamento

Relator

Jorge Schaefer Martins
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Inteiro Teor

Dados do acórdão
Classe: Agravo de Instrumento
Processo:
Relator: Jorge Schaefer Martins
Data: 2005-06-23

Agravo de instrumento n. , de São Bento do Sul.

Relator: Jorge Schaefer Martins.

PEDIDO DE VERIFICAÇÃO DE SITUAÇÃO DE RISCO PROPOSTO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. CRIANÇA RECÉM-NASCIDA. LIMINAR DEFERIDA. ENCAMINHAMENTO AO PROGRAMA DE FAMÍLIAS DE APOIO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. PRELIMINAR DE AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. INOCORRÊNCIA.

Expostos os motivos que levaram à concessão do pedido, não há se falar em ausência de fundamentação.

BUSCA E APREENSÃO DE MENOR. CASAL GUARDIÃO DE FATO DA CRIANÇA, NÃO HABILITADO NO CADASTRO DE PRETENDENTES À ADOÇÃO. CIRCUNSTÂNCIA QUE, ISOLADAMENTE, NÃO CONFIGURA SITUAÇÃO DE RISCO, NEM IMPOSSIBILITA A REGULARIZAÇÃO DA ADOÇÃO JÁ REQUERIDA. PRECEDENTES DESTA CORTE.

Não se deve, em caso que envolva interesse de criança, raciocinar unicamente com base nos regramentos legais, devendo ser consideradas as peculiaridades de cada situação, vislumbrando-se a intenção daqueles que se dispõem a recebê-la.

CONSENTIMENTO E INTENÇÃO DA GENITORA.

Apesar de se reconhecer ser defesa a adoção contratual, não se pode negar à genitora, que reconhece a ausência de condições para criar seu filho, a possibilidade de entregá-lo a casal, que entende, ter condições para tanto.

RECURSO PROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de agravo de instrumento n. , da comarca de São Bento do Sul (1ª Vara), em que são agravantes R. H. e L. C. W. H, sendo agravado o representante do Ministério Público:

ACORDAM , em Segunda Câmara de Direito Civil, por unanimidade, dar provimento ao recurso.

Custas na forma da lei.

I - RELATÓRIO:

R. H. e L. C. W. H. interpuseram agravo de instrumento contra decisão do Dr. Juiz de Direito que, nos autos de ação de verificação de situação de risco promovida pelo Ministério Público em favor da menor E. A. de L., deferiu liminar de busca e apreensão, encaminhando a menor ao programa de famílias de apoio.

Sustentaram, em preliminar, a nulidade da decisão por ausência de fundamentação.

Além disso, aduziram que procuraram o Serviço Social do Fórum da comarca de São Bento do Sul para apresentarem a documentação necessária ao Cadastro de Adotantes, porém foram informados pela Assistente Social de que nada adiantaria.

Ademais, asseveraram que a mãe biológica manifestou-se favoravelmente à adoção pretendida.

Finalmente, afirmando que a criança não se encontra em situação de risco, postularam a concessão de efeito suspensivo e, a final, o provimento do agravo.

Negado o almejado efeito suspensivo, o Dr. Juiz a quo prestou informações e o agravado apresentou as contra-razões.

Instada, a Procuradoria-Geral de Justiça, por meio de parecer da lavra do Dr. Paulo Roberto de Carvalho Roberge, opinou pelo não provimento do agravo.

II - VOTO:

A nulidade da decisão interlocutória por ausência de fundamentação não deve prosperar, pois, ao contrário do mencionado pelos agravantes a autoridade judiciária de primeiro grau apresentou os motivos de seu convencimento, cumprindo o disposto no inciso IX do artigo 93 da CRFB.

Isso se observa ao verificar-se que o MM. Juiz entendeu estar configurada a guarda irregular da criança pelo casal agravante, decorrendo da circunstância de não estar ele cadastrado devidamente, tendo considerado ainda entender não haver qualquer prejuízo à infante.

Sendo assim, houve expressa indicação dos motivos determinantes do decisum .

Por outro lado, no tocante à reforma da decisão, melhor sorte assiste aos agravantes. Com efeito, impõe-se algumas considerações a respeito da situação fática pertinente ao caso concreto.

Extrai-se do caderno processual que os agravantes auxiliaram a mãe biológica da menor pretendendo adotá-la regularmente, porém não se encontram cadastrados na lista de casais interessados à adoção, fato que isolada, ou fundamentalmente, motivou a concessão de liminar e, em conseqüência, a busca e apreensão da criança recém-nascida.

Na verdade, no que se refere à campanha "Faça Legal" realizada em conjunto pelo Poder Judiciário da comarca de São Bento do Sul e o Grupo de Estudos e Apoio à Adoção - Gerando Amor, merecendo aplausos a iniciativa, verifica-se da documentação acostada aos autos que ela se destina especialmente às mães biológicas e à erradicação das adoções ilegais, senão vejamos:

2. OBJETIVOS

2.1 Objetivo Geral:

Oferecer um serviço de apoio e orientação às mulheres/mães que entregam ou pretendem entregar seus filhos em adoção, favorecendo a reflexão sobre o processo de decisão e sobre a importância da entrega responsável.

2.2 Objetivos específicos:

- Incentivar a adoção legal, tornando acessíveis os serviços da Justiça da Infância e da Juventude para as mulheres que pretendem entregar seus filhos em adoção.

- Orientar as mães e a comunidade em geral sobre os procedimentos legais a serem seguidos na adoção e os riscos decorrentes das entregas irregulares de crianças;

- Promover estudos e reflexões sobre as situações sociais, familiares, econômicas e pessoais que envolvem o processo de decisão-entrega de um filho em adoção e as conseqüências para a criança de um decisão mal elaborada.

- Organizar um registro informativo sobre a criança entregue em adoção e sua família biológica, com vistas a facilitar o resgate dos dados de saúde, quando necessários, e a busca pela sua identidade.

- Favorecer a aproximação do Juizado da Infância e da Juventude com a comunidade, desmistificando a idéia da Instituição distante, autoritária e punitiva;

3. POPULAÇÃO ALVO:

- mulheres que entregam ou pretendem entregar seus filhos em adoção;

-comunidade em geral (fl. 100)

Finalmente, colhe-se da justificativa do projeto:

De acordo com os dados do Conselho Tutelar de São Bento do Sul e do Serviço Social Judiciário, nos últimos dois anos foram atendidas 12 (doze) situações de famílias querendo devolver seus "filhos", com queixas evasivas, atribuindo sempre à criança a culpa pela devolução. Em todas estas situações, a criança foi entregue diretamente pela mãe biológica, sem processo legal de adoção. Em um dos casos o registro havia sido feito direto em cartório, as chamadas "adoções à brasileira", as quais denominamos ser mais correto denominar adoções ilegais. Em outra situação, a adoção havia sido feita por escritura pública. Nos demais, não havia nenhum tipo de procedimento. A criança estava totalmente despida de proteção legal e, por conseqüência, à mercê dos despropósitos dos adultos que as receberam. Crianças e adolescentes inseridos em famílias substitutas, sem procedimento legal, as chamadas "guardas de fato" ou"adoções de fato". Famílias que, diante das primeiras dificuldades ou não mais atendendo a criança às expectativas iniciais, procuram as suas famílias de origem (sabem o seu endereço, pois foi entrega direta) com o intuito de ali deixarem a criança, que já não mais lhes interessava. A mãe biológica, anos depois, vê-se diante de uma situação no mínimo constrangedora, pois refez sua vida após a entrega daquele filho em adoção e não construiu com ele vinculo afetivo, tampouco a criança com sua genitora. A situação que entendia fazer parte do passado bate à sua porta, como conseqüência de uma entrega sem orientação e proteção legal.

Por outro lado, os processos de adoção que ingressaram no Juizado da Infância e Juventude da Comarca de São Bento do Sul nos últimos quatro anos, retrataram a mesma realidade: os processos para regularizar uma situação de fato são em maior número do que aqueles encaminhados pelo judiciário, através do cadastro de pretendentes à adoção. Constatamos que dos processos de adoção que deram entrada no referido período, num total de 100 (cem) processos, 62 (sessenta e dois) deles ingressaram com o intuito de regularizar situação de fato, onde a criança já estava com os requerentes e havia lhes sido entregue diretamente pela genitora ou por intermediário. Interessante observar que o pedido de adoção ingressa no judiciário cerca de dois anos depois da entrega, quando entendem que o lapso de tempo já é suficiente para não mais perderem a guarda da criança.Somente 38 (trinta e oito) processos foram de adoções legais, entendidas como aquelas onde as crianças são encaminhadas pelo Juizado da Infância e Juventude para pessoa habilitada no Cadastro de Pretendentes à adoção.

Este dados, no entanto, retratam apenas uma parcela das situações envolvendo entrega de crianças para famílias substitutas que chega ao juizado; quer para realizar a adoção legal, quer depois para buscar a regularização da situação de fato. Infelizmente, outras tantas situações sequer são conhecidas ou registradas. Não há como saber ao certo o número de crianças entregues irregularmente e que transitam de casa em casa, sem nenhuma proteção social, afetiva ou legal. É comum mulheres que trabalham em bares de prostituição pagar famílias para "cuidar" de seus filhos. Não os entregam legalmente em adoção e, na maioria dos casos, não os assumem efetivamente como filhos. As crianças circulam por diferentes famílias, de acordo com os acertos financeiros. Algumas destas mulheres somem e as crianças ficam anos e anos agregadas àquela família, sem no entanto serem incluídas como filho. Às vezes, o sentimento de pena as permite ficar; noutras vezes, são abandonadas ou transferidas para terceiros. Algumas destas famílias cuidadoras procuram o Juizado quando denunciadas ao Conselho Tutelar.

Estas e outras situações, conhecidas e desconhecidas, nos fizeram reavaliar o foco do nosso trabalho e considerar um terceiro tripé da adoção, até então esquecido: a família de origem.Percebemos que o nosso trabalho estava muito direcionado para os adotantes e obteve resultados positivos se considerados o aumento dos habilitados e a segurança e amor com que acolhem seus filhos por adoção. No entanto, não coibiram as adoções irregulares. Ainda existem (e talvez sempre vão existir) pessoas que, mesmo conhecendo os procedimentos legais, escolhem fazer de forma irregular para não ter que se submeter aos trâmites da justiça e às responsabilidades legais do seu ato. Justificativas do tipo: "demora muito", "é complicado", "a fila é grande", ainda fazem parte do vocabulário daqueles que definitivamente vão tentar conseguir uma criança a qualquer custo, seja persuadindo e fazendo promessas às gestantes, seja registrando a criança direto em cartório, seja roubando... Inútil nosso serviço de orientação àqueles que não querem ser orientados.

De outro lado, temos as mulheres e mães que entregam seus filhos em adoção, facilmente assediadas pelos que usam de má fé. Que serviço de apoio e orientação lhes é oferecido? Que mensagem lhes transmitimos? Que olhar dirigimos até então para este contingente tão abandonado e facilmente julgado por nossa sociedade? Este projeto busca oferecer respostas a estas questões.

6. ESTRATÉGIA:

Articular a rede de serviços governamentais e não governamentais para a divulgação, orientação, identificação e encaminhamento das situações que envolvem mulheres que entregam ou pretendem entregar seus filhos em adoção. (fls. 101/103)

Todavia, o caso em comento não se encaixa entre aqueles que a campanha visa coibir, pois a criança nasceu no dia 13 de março de 2005, tendo inclusive sido registrada pela própria mãe biológica (não há se falar em adoção à brasileira, ou ilegal, como dito na justificativa da campanha acima citada) e os agravantes no dia 17 do corrente mês e ano, ou seja, 4 (quatro) dias após o nascimento, ingressaram com pedido de adoção, objetivando regularizar a situação, afastando também a incidência daquelas hipóteses previstas no decorrer da justificativa transcrita

Nesse contexto, em que pese a violação no tocante à lista de espera existente na comarca, não se pode negar a vontade da genitora que reconhece não ter condições financeiras de criar sua filha, como afirmado aos servidores da justiça no momento do cumprimento do mandado de busca e apreensão da menor acostado na fl. 58.

Aí reside a necessidade de observar-se a correção do procedimento havido em primeira instância. A autoridade judiciária disse estar a criança em situação de risco, pois na guarda dos agravantes irregularmente, sendo inadmissível que venham eles pretender sua adoção, pois não cadastrados perante o Juízo da Infância, considerando ainda a nocividade do procedimento de "adoção dirigida".

Ora, será que tais fatos realmente indicavam a presença de situação de risco. Seriam suficientes, por si só, para determinar o seu reconhecimento.

Quero crer que não. A situação de risco estaria evidenciada na hipótese de se observar, mediante estudo social, relatório de Conselho Tutelar ou informações confiáveis, que a criança estivesse sendo submetida a maus tratos, não estivesse recebendo a atenção e cuidados indispensáveis à sobrevivência e crescimento de um recém-nascido, fossem os agravantes pessoas irresponsáveis, absolutamente inaptas para cuidar de criança etc.

Partiu-se do pressuposto que havia risco à criança, unicamente por não haver o casal previamente se habilitado à adoção.

Tenho, no entanto, que a conclusão é precipitada.

No pertinente à ausência do casal na lista de pretendentes, já assentou este Tribunal, verbis :

AGRAVO DE INSTRUMENTO. ADOÇÃO. POSSE DE FATO DA CRIANÇA POR QUATRO MESES COM CASAL ADOTANTE. BUSCA E APREENSÃO DO MENOR INDEFERIDA. ESTUDO SOCIAL FAVORÁVEL À MANTENÇA DA CRIANÇA COM O CASAL ADOTANTE. RECURSO DESPROVIDO.

Não se deve afastar uma criança dos braços de quem a acolhe desde o nascimento, cujo requerimento de adoção já foi efetuado, a pretexto de inobservância cadastral de pretendentes à adoção, a não ser que se comprove de plano a inabilitação moral para o ato.

Omissis . (Agravo de instrumento n. 99.017563-4, de Pomerode, rel. Des. Carlos Prudêncio, j. 17.10.00)

Ou:

APELAÇÃO CÍVEL - PEDIDO DE ADOÇÃO - CONCORDÂNCIA DOS PAIS - ESTUDO SOCIAL FAVORÁVEL - NÃO INCLUSÃO NA LISTA DE INTERESSADOS EM ADOÇÃO DA COMARCA - FORMALISMO LEGAL NÃO SUPERIOR AO INTERESSE DA CRIANÇA - ESPORÁDICA MANUTENÇÃO DE CONTATO COM O PAI BIOLÓGICO - PREJUDICIALIDADE FUTURA - SUPOSIÇÃO - DEFERIMENTO DA MEDIDA - PROVIMENTO RECURSAL

Não pode um formalismo legal, ainda que de extrema importância, sobrepujar os interesses de umacriança manifestados no caso concreto. Embora seja a inscrição no cadastro de interessados à adoção uma determinação legal, a sua ausência não pode servir de óbice ao deferimento dessa medida, sobretudo quando o infante já desenvolve há anos laços de afetividade com os adotantes e todas as demais situações lhes são favoráveis (Apelação cível n. 03.007437-6, de Orleans, rel. Des. José Volpato de Souza, j. 20;10;03).

No mesmo sentido:

AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO DE VERIFICAÇÃO DE SITUAÇÃO DE RISCO PROPOSTA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO - CRIANÇA ENTREGUE PELA MÃE A TERCEIROS NÃO CADASTRADOS NA COMARCA - PEDIDO DE BUSCA E APREENSÃO DO MENOR DEFERIDO PELO JUÍZO A QUO - IMPOSSIBILIDADE - PREVALÊNCIA DO INTERSSE DO INFANTE, QUE VIVE EM COMPANHIA DOS ADOTANTES DESDE O NASCIMENTO - AGRAVANTES COM CONDIÇÕES MORAIS E ECONÔMICAS - RECURSO PROVIDO.

"Não se deve afastar uma criança dos braços de quem a acolhe desde o nascimento, cujo requerimento de adoção já foi efetuado, a pretexto de inobservância cadastral de pretendentes à adoção, a não ser que se comprove de plano a inabilitação moral para o ato.

Revelando o estudo social a boa índole da família adotante e o carinho e amor conferidos ao menor, é de indeferir-se pedido de busca e apreensão deste, requerido pelo Ministério Público, porquanto silogismos críticos, impostos à simples leitura de texto legal, não podem prevalecer sobre o bem-estar da criança"(AI n. 99.017563-4, Des. Carlos Prudêncio). (Agravo de Instrumento n. 02.016110-7, de Orleans, rel. Des. Mazoni Ferreira, j. 17.10.02).

O Dr. Juiz de Direito a quo , acatando pedido do representante do Ministério Público formulado em ação de verificação de situação de risco, determinou a busca e apreensão da menor que se encontrava com a mãe biológica e o casal pretendente à adoção, determinando o encaminhamento da infante ao programa de Famílias de Apoio, com suporte em informação da Assistente Social do Forum daquela comarca, na qual somente é informado o acolhimento da gestante, o nascimento da criança e a entrega ao casal agravante, como a falta de providências pretéritas relativas à pretensão de adoção.

Ora, em nenhum momento se disse da presença de condições que pudessem por em perigo a criança.

Fê-lo, também, sem se manifestar em relação ao pedido de guarda provisória formulado na ação de adoção, ou seja, sem que viesse a valorizar as peculiaridades do caso narradas pelos agravantes, disso podendo advir reflexos negativos aos envolvidos.

Não é demais repisar, portanto, que sequer houve a realização de estudo social no processo de adoção para se investigar as condições exigidas para a procedência do pedido de adoção.

Não se trata, por óbvio, de questão meramente de direito. Cuida-se de matéria que se refere a envolvimento emocional, disposição de acolher como sua criança estranha, buscar entregar amor, proteção, enfim, doar-se em prol de outrem, com o fito de proporcionar-lhe melhores condições de vida e expectativa de um futuro melhor.

Caso se passe a agir unicamente com base em rotinas - que por vezes efetivamente são necessárias -, desprezando-se as características próprias de cada caso concreto, haverá o cumprimento da lei, mas é discutível que se esteja distribuindo Justiça, ou o que é mais importante, fazendo com que o interesse da criança seja colocado em primeiro plano.

Na hipótese, não parece se tratar de casal alheio aos regramentos estabelecidos para o processo de adoção, como naquelas hipóteses mencionadas tanto na justificativa da campanha "Faça Legal" como no parecer de fls. 121/124. Ao contrário, como dito pela Assistente Social já haviam entrado em contato para providenciar o cadastramento, porém ocorreu o abreviamento da espera pela ocorrência de fato inesperado.

Mas é de se indagar se por essa razão devem ser punidos? A disposição genuína de receber como sua uma criança estranha, é passível de repreensão? A "escolha" feita pelas autoridades investidas do poder, será sempre melhor que a realizada pela própria genitora?

Além disso, deve-se observar o fato de que a criança recém-nascida estava com os agravantes há poucos dias e em razão da concessão de liminar foi encaminhada ao programa "Famílias de Apoio" no dia 17 de março de 2005, correspondendo até o momento deste julgamento 98 (noventa e oito) dias.

Pois bem, apesar do entendimento externado por esta Câmara no julgamento do AI n. , de Lebon Régis, em 25.4.2002, no sentido de que a retirada do menor e a conseqüente adoção por outra família, a qual se encontrava na guarda por tempo superior há 6 meses, coibia o retorno (seis) ao status quo , no caso em tela, deve-se considerar que a criança foi apenas encaminhada ao programa "Famílias de Apoio", afastando a aplicação deste raciocínio, pois ocorrendo a improcedência do pedido de adoção formulado pelos agravantes, das duas uma, ou a criança retorna aos cuidados da mãe biológica ou será adotada por outros pretendentes.

Assim, levando-se em conta que a ausência do casal no cadastro de pretendentes à adoção, por si só, não configura situação de risco, como não afasta de maneira definitiva a possibilidade de adoção, torna-se prudente a reforma da decisão agravada e, em conseqüência, o retorno da criança recém-nascida aos cuidados dos agravantes, os quais desde a gestação pretendem a adoção, tendo logo após o nascimento ingressado com a ação competente.

Mutatis mutandis , colhe-se o seguinte precedente desta Corte:

DIREITO DE FAMÍLIA - ECA - ADOÇÃO - MÃE BIOLÓGICA QUE ENTREGA MENOR AINDA NA MATERNIDADE MEDIANTE INSTRUMENTO PARTICULAR DE DECLARAÇÃO A FAMÍLIA SUBSTITUTA DEVIDAMENTE CADASTRADA NA COMARCA - AÇÃO ANULATÓRIA MOVIDA PELO REPRESENTANTE DO MINISTÉRIO PÚBLICO - PEDIDO DE BUSCA E APREENSÃO DA INFANTE DEFERIDO SOB O ARGUMENTO DE TER HAVIDO ADOÇÃO À BRASILEIRA - RIGORISMO DA MEDIDA QUE SE VERIFICA NA HIPÓTESE COMO INJUSTIFICÁVEL E DESACONSELHÁVEL - INTERESSE DA MENOR QUE SE SOBRELEVA À INOBSERVÂNCIA DAS FORMALIDADES DO PROCESSAMENTO DA PERFILHAÇÃO - INTERPRETAÇÃO TELEOLÓGICA DOS ARTIGOS 227 DA CONSTITUIÇÃO, DO ECA E DA LICC - RECURSO PROVIDO

Pela interpretação teleológica da Constituição Federal e do Estatuto da Criança e do Adolescente, evidencia-se como desaconselhável sob todos os aspectos a retirada de uma menor do ambiente familiar onde se encontra há meses para colocá-la em abrigo ou em outra família. A excepcionalidade de tal providência está reservada tão-somente às medidas de proteção, cujas hipóteses estão expressamente delineadas no art. 98 do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Como corolário, deve a menor permanecer em companhia daqueles que a acolheram desde os primeiros dias de vida, com a anuência da mãe biológica, e passaram desde então a provê-la de todos os cuidados necessários à sobrevivência, incluídos educação, alimentação, lazer e, sobretudo, carinho familiar. Eventual repreensão a meios escusos utilizados, como, por exemplo, a denominada "adoção à brasileira", por si só, não pode sobrepujar os interesses maiores e o bem-estar da criança. (Agravo de instrumento n. , de Navegantes, Relator Des. Marcus Tulio Sartorato)

Em outros Tribunais já se decidiu:

APELAÇÃO CÍVEL. ADOÇÃO. TENDO A GENITORA DO MENOR ENTREGUE SUA FILHA EM ADOÇÃO A UM CASAL DETERMINADO ( ADOÇÃO INTUITU PERSONAE ), NÃO SE PODE DESCONSIDERAR TAL VONTADE, EM RAZÃO DA EXISTÊNCIA DE LISTAGEM DE CASAIS CADASTRADOS PARA ADOTAR. A LISTA SERVE PARA ORGANIZAR A ORDEM DE PREFERÊNCIA NA ADOÇÃO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES, NÃO PODENDO SER MAIS IMPORTANTE QUE O ATO DA ADOÇÃO EM SI. DESPROVERAM. UNÂNIME. (Apelação cível n. XXXXX, de Santa Maria (RS), rel. Des. Luiz Felipe Brasil Santos, j. 13.10.03)

É cediço que deve prevalecer, acima de tudo, o interesse da criança, vez que a reformulação do direito da criança e do adolescente, transmudou a doutrina da "situação irregular" para a concepção da "proteção integral", impondo ao magistrado novo enfoque no tocante aos direitos das crianças e dos adolescentes, pois suas decisões devem, doravante, perseguir o interesse do menor, consoante preconiza o art. do ECA.

Sobre o assunto, colhe-se da doutrina:

O artigo em tela menciona a forma como se deve interpretar o Estatuto. O fim social é o de proteção integral da criança e do adolescente e o bem comum é o que atende aos interesses de toda a sociedade. Os direitos e deveres individuais e coletivos são elencados no ECA, relativos à criança e ao adolescente.

Entendemos que "a condição peculiar da criança e do adolescente" deve ser o principal parâmetro na aplicação das medidas na Vara da Infância e Juventude. Obedecidos os critérios legais, as autoridades devem procurar as medidas mais adeqüadas à proteção da criança e do adolescente. (ISHIDA, Válter Kenji. Estatuto da criança e do adolescente . São Paulo: Atlas, 1998, p. 28)

E:

Certamente, deve-se levar em conta o fato de que todas as decisões mais importantes são a cargo dos adultos. Mas reconhece-se formalmente que existe uma categoria de cidadãos - as crianças - que têm seus próprios interesses específicos, os quais nem sempre coincidem - e às vezes contrastam - com os dos adultos. Esta categoria não pode proteger-se por si mesma, não tem força contratual dentro da sociedade, não vota e não protesta. Por conseguinte, os adultos responsáveis - não só os pais, mas também, e sobretudo, aqueles que tomam decisões coletivas que envolvem milhões de crianças (administradores, políticos e aqueles que detêm o poder econômico) - são investidos da responsabilidade de exercitar os direitos fundamentais das crianças em seu lugar.

O comportamento destes adultos deverá, portanto, ser avaliado, política mas também juridicamente, por sua conformidade aos verdadeiros interesses da criança, por sua adequação à função de representar aquela categoria especial de cidadãos.

Esta também é uma declaração programática do Estatuto, a qual poderá e deverá ser levada em conta pelos operadores do Direito; talvez uma das mais importantes, se estes souberem fazer bom uso dela, na prática. (CURY, Munir; AMARAL E SILVA, Antonio Fernando e MENDES, Emílio García (coordenadores). Estatuto da criança e do adolescente comentado. 3. ed. 2. tir. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 19/20).

Finalmente, considerando-se as peculiaridades do caso em análise, vota-se pelo provimento do recurso para determinar a restituição da criança aos agravantes.

Outrossim, recomenda-se à autoridade judiciária de primeiro grau o prosseguimento da ação de adoção desencadeada pelos agravantes, principalmente, no que tange à realização do estudo social e produção de provas pertinentes à adoção pretendida, obtendo elementos que permitam a apreciação do pedido de guarda provisória lá formulado. III - DECISÃO:

Ante o exposto, deu-se provimento ao recurso, determinando-se a imediata restituição da criança ao casal agravante.

Participou do julgamento o Excelentíssimo Desembargador Luiz Carlos Freyesleben, emitindo parecer pela Procuradoria-Geral de Justiça o Dr. Paulo Roberto de Carvalho Roberge.

Florianópolis, 23 de junho de 2005.

MONTEIRO ROCHA

Presidente com voto

JORGE SCHAEFER MARTINS

Relator


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