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25 de Abril de 2024
  • 2º Grau
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Detalhes

Processo

Órgão Julgador

Quarta Câmara Criminal Julgado

Partes

Julgamento

Relator

Rodrigo Collaço
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Inteiro Teor

Apelação Criminal n. 2014.005341-3, de Chapecó

Relator: Des. Rodrigo Collaço

APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME DE TRÂNSITO. HOMICÍDIO CULPOSO NA DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR (ART. 302, CAPUT, DO CTB). SENTENÇA ABSOLUTÓRIA. INSURGÊNCIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO.

MATERIALIDADE E AUTORIA DEMONSTRADAS. ANÁLISE DO ACERVO PROBATÓRIO, CONTUDO, QUE REDUNDA NA CARÊNCIA DE ELEMENTOS A INDICAR TENHA O DENUNCIADO INCORRIDO EM CULPA PARA O ACIDENTE FATAL. ABSOLVIÇÃO MANTIDA.

"Na dúvida acerca da conduta do condutor do veículo acusado pela prática do evento danoso, a absolvição é medida que se impõe, tendo em vista a impossibilidade de presunção de culpa no direito penal" (ACrim n. 2011.006485-7, rel. Des. Roberto Lucas Pacheco, j. 9.8.2012).

RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal n. 2014.005341-3, da comarca de Chapecó (1ª Vara Criminal), em que é apelante Ministério Público do Estado de Santa Catarina, e apelado Valmir Adelar Kerschner:

A Quarta Câmara Criminal decidiu, por votação unânime, conhecer do recurso e negar-lhe provimento. Custas legais.

Participaram do julgamento, realizado em 17 de julho de 2014, os Excelentíssimos Desembargadores Jorge Schaefer Martins (Presidente) e Newton Varella Júnior.

Funcionou como representante do Ministério Público o Excelentíssimo Procurador de Justiça Pedro Sérgio Steil.

Florianópolis, 18 de julho de 2014

Rodrigo Collaço

RELATOR


RELATÓRIO

O Ministério Público do Estado ofereceu denúncia contra Valmir Adelar Kerschner pelo cometimento, em tese, do crime de homicídio culposo na direção de veículo automotor (art. 302 do Código de Trânsito Brasileiro) em razão dos fatos assim narrados na peça acusatória:

"No dia 26 de novembro de 2011, por volta das 10 horas, na rodovia SC 480, nas proximidades do 'Ferro velho Chiru', no distrito de Marechar Bormann, Chapecó, ocorreu um acidente de trânsito, quando o automóvel Peugeot 307 placas DVJ-2262, colidiu com a motocicleta Honda, placas MAI-2171, dirigida por CARLOS ALEXANDRE FERNANDES DA SILVA, proporcionando múltiplos ferimentos nele, principalmente choque hipovolêmico, que lhe ocasionaram a morte, conforme demonstra o laudo cadavérica de fls. 12/13.

A responsabilidade pelo evento é do acusado VALMIR ADELAR KERSCHNER pois, naquela artéria, de grande e intenso movimento de veículos e pedestres, agindo com imprudência, eis que desenvolvia velocidade excessiva e, incondizente para o local e circunstâncias, efetuou arriscada de ultrapassagem de dois veículos que seguiam à sua frente, colidindo com a motocicleta da vítima, que estava a frente, praticando homicídio culposo, na direção de veículo automotor, em uma via pública" (fls. II/III)

Instruído o processo e apresentadas alegações finais (fls. 103-110 e 114-119), foi proferida sentença absolutória (fls. 120-125).

Inconformado, o Ministério Público do Estado de Santa Catarina interpôs recurso de apelação, em cujas razões sustenta que há provas suficientes de que o acusado transitava em velocidade superior ao permitido, ou seja, acima de 40 km/h (quarenta quilômetros por hora). Diz que a versão do réu de que a vítima fazia, momentos antes do acidente, uma conversão esquerda não está em concordância com as provas dos autos, as quais demonstram que a batida deu-se na parte frontal direita do automóvel. Salienta que o réu efetuou arriscada ultrapassagem, e, em razão de sua imprudência, colidiu com a motocicleta da vítima, causando seu óbito. Pede, assim, a condenação do denunciado pelo crime disposto no art. 302 do Código de Trânsito Brasileiro.

Contrarrazões às fls. 142-147 pela manutenção da sentença.

Com a ascensão dos autos, a douta Procuradoria-Geral de Justiça, por parecer da lavra do Excelentíssimo Doutor Paulo Antônio Günther, opinou pelo conhecimento e provimento do recurso (fls.152-154).


VOTO

Trata-se de recurso de apelação, interposto pelo Ministério Público do Estado de Santa Catarina, originário de ação penal pública incondicionada na qual Valmir Adelar Kerschner, denunciado pela prática de homicídio culposo na direção de veículo automotor, foi absolvido em primeira instância por insuficiência probatória quanto à culpa.

A materialidade do delito está consubstanciada no boletim de acidente de trânsito de fls. 03-04; no laudo de exame cadavérico de fls. 11-14; e no laudo pericial de fls. 19-62. Inexistem duvidas, ademais, de que era o acusado quem dirigia o veículo no momento da colisão com a motocicleta da vítima.

Contudo, não há, de fato, elementos suficientes a demonstrar que o réu agiu com culpa. Pelo contrário, as provas constantes nos autos apontam para culpa exclusiva da vítima, a qual, salienta-se, "exclui a do agente, para quem, nesse caso, a ocorrência do evento foi pura infelicitas facti" (BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 378).

Observa-se que a única testemunha arrolada pela acusação chegou ao local após o acidente e, portanto, não presenciou os fatos. Seu relato judicial resume-se, assim, à suposição de que o réu estava em velocidade superior à permitida para a localidade (40 km/h): "[...] que se recorda que a pista e as faixas são duplas no local; que já atendeu outros acidentes de trânsito; que pelas marcas de frenagem existentes no local o depoente acha que o condutor do veículo estava imprimindo velocidade superior à 40 km/h que é a velocidade permitida para a via; que se recorda que conversou com funcionários de um ferro-velho existente nas proximidades, os quais disseram não terem visto o acidente" (fl. 99).

Ocorre que o mencionado testemunho é a única declaração no sentido de que o recorrido conduzia o automóvel em alta velocidade, porquanto, além de não haver testemunhas oculares, referido excesso não foi sequer indicado na perícia técnica realizada; a mera presença de marcas de frenagem no local dos fatos, ressalta-se, é insuficiente para atestar com a segurança e precisão necessárias a velocidade empregada pelo veículo do apelado.

Sobre a dinâmica dos fatos especificamente, observa-se que o réu, em ambas as oportunidades em que foi inquirido, narrou que conduzia o automóvel em pista de mão dupla, pela faixa de rolamento da esquerda. Salientou que, após ultrapassar dois carros, os quais estavam na faixa direita, observou que, em frente aos automotores, havia uma motocicleta. Afirmou ter ouvido um grande barulho e percebido o acionamento do air bag, o qual tampou sua visão, impedindo que identificasse o que efetivamente acontecera (fls. 9 e 100). Em juízo, ao ser questionado, explicou que "não existia motivo para o depoente entrar na pista da direita". Narrou, ao final do interrogatório, que "pessoas no local falaram que o motociclista iria entrar no ferro velho e outras diziam que a vítima iria visitar parentes ou amigos do lado esquerdo da pista" (g. n.).

Em sentido semelhante, Marcos Andre Marcon, testemunha de defesa narrou que "no local ouviu dizer que os veículos estavam na mesma direção; que a colisão entre a motocicleta e o veículo ocorreu na parte frontal dianteira do veículo; que ouviu dizer que a motocicleta iria fazer uma conversão à esquerda para ir ao ferro velho que fica à esquerda da rodovia" (g. n.) (fl. 98).

Do mesmo modo, consoante se extrai do laudo pericial carreado às fls. 19-62, o veículo do autor sofreu danos aparentes em maior intensidade no setor frontal direito (fl. 30). A motocicleta da vítima, a seu turno, foi atingida na lateral esquerda (fl. 25). Referida constatação corrobora a tese do autor de que transitava, em via de mão dupla, pela faixa esquerda, quando o ofendido, inicialmente na faixa direita, efetuou manobra repentina de conversão à esquerda para atravessar a via, sem observar, contudo, o fluxo de carros.

Veja-se a conclusão do laudo pericial de fls. 19-62, elaborado pouco após o ocorrido: "A - Pela Avenida Irineu Bornhausen, em sentido Chapecó/Distrito Marechal Bormann (Norte/Sul), trafegava o veículo motocicleta, HONDA/CG 125 FAN, portando placa MAI-2171 - Chapecó/SC (veículo 1); B - Pela Avenida Irineu Bornhausen, em sentido Chapecó/Distrito Marechal Bormann (mesmo sentido da motocicleta, porém em posição anterior a esta), trafegava o veículo automóvel I/ PEUGEOT 307 20S GRIF, portando placas DVJ-2262 - Chapecó/SC (veículo 2); C - Em determinado momento, quando veículo 1 estaria realizando conversão à esquerda para cruzar a via, o veículo 2 teria alcançado o veículo 1 e colidido com seu setor frontal direito contra a lateral esquerda do mesmo" (g. n.).

Assim, não demonstrado o excesso de velocidade do automóvel conduzido pelo acusado e existindo nos autos elementos bastantes a indicar que a vítima efetuou conversão à esquerda, inviável a condenação do réu, porque não há provas de que agiu com negligência, imprudência ou imperícia. A manutenção do decreto absolutório é, pois, medida impositiva.

Em caso semelhante, o Tribunal do Rio Grande do Sul assim decidiu:

"RESPONSABILIDADE CIVIL EM ACIDENTE DE TRÂNSITO - ATROPELAMENTO - CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA - Não pode ser imputada a motorista a culpa pelo acidente, porque ela foi tomada de surpresa pela vítima que, de inopino, invadiu a pista de rolamento a frente do veículo, não tendo o seu condutor condições e nem tempo de evitar o atropelamento. Apelo improvido. Unânime. (TJRS - APC XXXXX - 12ª C.Cív. - Relª Desª AGATHE ELSA SCHMIDT DA SILVA - J. 05.06.2003)"

E esta Corte de Justiça:

"APELAÇÃO CRIMINAL. FUGA DO LOCAL DO ACIDENTE PARA ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE CIVIL OU PENAL. ART. 305 DO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO. INCONSTITUCIONALIDADE DECLARADA INCIDENTALMENTE PELO ÓRGÃO ESPECIAL DESTA CORTE. ATIPICIDADE. ABSOLVIÇÃO DEVIDA. HOMICÍDIO CULPOSO NA DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR. ACUSADO QUE CONDUZIA CAMINHÃO E ATRAVESSOU CRUZAMENTO NO SINAL AMARELO, CHOCANDO-SE COM A MOTOCICLETA QUE SEGUIA PELA VIA PERPENDICULAR. DÚVIDAS QUANTO À CULPA DO RÉU. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO IN DUBIO PRO REO. ABSOLVIÇÃO QUE SE IMPÕE. RECURSO PROVIDO" (TJSC, Apelação Criminal n. 2013.006336-3, de Chapecó, rel. Des. Moacyr de Moraes Lima Filho, j. 28-05-2013).

Ao tratar da absolvição por falta de provas, aliás, Fernando da Costa Tourinho Filho leciona:

"Aqui não se trata de um favor do rei. Que favor estaria o Juiz fazendo ao réu absolvendo-o por falta de prova? Costuma-se invocar, nesse caso, o brocardo in dubio pro reo. Santiago Sentís Melendo responde com precisão cirúrgica: 'El juez no duda cuando absuelve. Está firmemente seguro, tiena a plena certeza. De quê? De que lhe faltan pruebas para condenar... Não si trata de un favor sino de justicia...' (In dubio pro reo, p. 158). Para que o Juiz possa proferir um decreto condenatório é preciso que haja prova da materialidade delitiva e da autoria. Não havendo, a absolvição se impõe. Evidente que a prova deve ser séria, ao menos sensata.

[...]

Uma condenação é coisa séria; deixa vestígios indeléveis na pessoa do condenado, que os carregará pelo resto da vida como um anátema. Conscientizados os Juízes desse fato, não podem eles, ainda que intimamente considerem o réu culpado, condená-lo, sem a presença de uma prova séria, seja a respeito da autoria, seja sobre a materialidade delitiva" (in Código de Processo Penal Comentado. 14ª ed., São Paulo: Saraiva, 2012, p. 1054-1055).

E Renato Brasileiro de Lima:

"Não havendo certeza, mas dúvida sobre os fatos em discussão em Juízo, inegavelmente é preferível a absolvição de um culpado à condenação de um inocente, pois, em juízo de ponderação, o primeiro erro acaba sendo menos grave que o segundo. O in dubio pro reo não é, portanto, uma simples regra de apreciação das provas. Na verdade, deve ser utilizado no momento da valoração das provas: na dúvida, a decisão tem de favorecer o imputado, pois ele não tem a obrigação de provar que não praticou o delito. Antes, cabe à parte acusadora a obrigação de provar que não praticou o delito. Antes, cabe à parte acusadora (Ministério Público ou querelante) afastar a presunção de não culpabilidade que recai sobre o imputado, provando, além de uma dúvida razoável, que o acusado praticou a conduta delituosa que lhe é atribuída" (in Manual de Processo Penal, vol. II., Rio de Janeiro: Impetus, 2012, p. 647).

De tal sorte, há de ser preservada a sentença que absolveu o réu com fundamento no art. 386, VII, do CPP.

O voto, portanto, é pelo desprovimento do recurso.


Gabinete do Des. Rodrigo Collaço

ModLAB31800RT04CR


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